ARTICLE
5 August 2024

Realidade sintética: Direitos da personalidade na era da Inteligência Artificial

A inteligência artificial e as redes sociais intensificam violações aos direitos de privacidade, imagem e honra; entenda como essas tecnologias desafiam a proteção dos direitos...
Brazil Technology
To print this article, all you need is to be registered or login on Mondaq.com.

A inteligência artificial e as redes sociais intensificam violações aos direitos de privacidade, imagem e honra; entenda como essas tecnologias desafiam a proteção dos direitos da personalidade e as soluções legais necessárias

Os direitos da personalidade, que contemplam o direito à privacidade e intimidade, à imagem e à honra – e que, em termos práticos, costumam estar associados à proteção de atributos como imagem, nome e voz de uma pessoa – representam pilares essenciais da dignidade humana. Sua relevância é tão notória que diversos diplomas legais, como a Constituição Federal, o Código Civil e o Código Penal se preocupam em resguardá-los diante de usos indevidos e prejudiciais.

Nesse contexto, o Código Civil – artigos 11 e 20 – estabelece que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, de modo que qualquer uso pode ser proibido se afetar a honra, a boa fama ou a respeitabilidade do indivíduo, ou se for destinado a fins comerciais. Quanto a essa última hipótese, a Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça acrescenta que a publicação não autorizada da imagem de uma pessoa para fins econômicos ou comerciais pode resultar na obrigação de indenizar, independentemente da comprovação de danos.

No entanto, apesar de os direitos da personalidade contarem com as devidas proteções legais, nos últimos anos, especialmente com a emergência das redes sociais e novas tecnologias, as violações nesse campo têm se mostrado mais recorrentes. Isso porque, a facilidade e velocidade com que informações podem ser divulgadas aumentaram significativamente os desafios para proteção adequada desses direitos, exigindo uma vigilância constante e o desenvolvimento de novas abordagens legais para mitigar esses riscos.

Em um contexto ainda mais atual, observa-se que o surgimento e a popularização de ferramentas de inteligência artificial, especialmente a inteligência artificial generativa, têm trazido novos desafios e agravantes para esse cenário. Essas ferramentas permitem a criação de conteúdos extremamente realistas, como imagens, vídeos e áudios — conhecidos popularmente como "deepfakes" — aptos a reproduzirem fielmente características como a imagem e a voz de um indivíduo.

Um exemplo notável foi a campanha comemorativa dos 70 anos da Volkswagen do Brasil, que atraiu grande repercussão na imprensa e redes sociais ao utilizar recursos de inteligência artificial generativa para recriar a figura da cantora Elis Regina, falecida em 1982, cantando a música "Como Nossos Pais" junto com sua filha, Maria Rita. Apesar de gerar questionamentos, nesse caso, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) entendeu que não houve desrespeito à figura da artista, uma vez que o uso da sua imagem foi feito mediante consentimento dos herdeiros e que Elis foi retratada fazendo algo que fazia em vida.

No entanto, é importante reconhecer que em muitos dos casos, essas ferramentas não são utilizadas de maneira ética e responsável, resultando em diversas violações, especialmente aos direitos da personalidade. Com frequência, usuários utilizam tecnologias de inteligência artificial generativa para reproduzir a imagem e a voz de terceiros sem qualquer tipo de autorização prévia. Mais preocupante ainda, essas vítimas – sejam elas pessoas famosas ou não – são frequentemente associadas a situações fictícias e extremamente prejudiciais, causando danos severos à sua imagem, honra e reputação.

Nesse contexto, um caso relevante envolve a atriz Scarlett Johansson e a OpenAI, que está enfrentando um processo após Scarlett identificar uma grande semelhança entre a voz de uma das opções de áudio do ChatGPT, chamada "Sky", e a sua própria voz. A atriz afirmou que em setembro de 2023 foi contatada pelo CEO da empresa, que lhe ofereceu a oportunidade de ser a voz do ChatGPT 4.0. Apesar de ter recusado a proposta, o ChatGPT 4.0 foi lançado posteriormente com um recurso de áudio que disponibilizava uma voz extremamente similar à sua. A OpenAI argumenta que a voz de Sky não foi baseada na de Scarlett Johansson, mas sim dublada por outra atriz usando sua voz natural. O processo está em andamento, mas a voz já foi removida após solicitações dos advogados de Scarlett.

Outro exemplo notório envolve a cantora Taylor Swift, que também foi vítima das deepfakes, porém, com repercussões ainda mais graves. Nesse caso, um sistema de inteligência artificial foi empregado para criar imagens falsas da artista em cenas sexualmente explícitas. Esses conteúdos foram compartilhados nas redes sociais e tiveram um impacto imenso; uma das imagens alcançou a marca de 47 milhões de visualizações antes de ser removida da plataforma X.

Apesar de serem casos meramente exemplificativos e não abrangerem nem uma pequena porcentagem das violações que tem sido observadas nessa esfera, os casos mencionados são suficientes para demonstrar que o uso irresponsável e não ético de ferramentas de inteligência artificial generativa pode acarretar danos severos aos direitos de terceiros, que muitas das vezes não são efetivamente reparados por indenizações.

Portanto, ao utilizar ferramentas de inteligência artificial para reproduzir quaisquer atributos da personalidade de terceiros, é fundamental obter autorização prévia e expressa e garantir que tal uso não infrinja outros direitos da personalidade, como privacidade, honra e reputação. Lembre-se também de que qualquer uso comercial desses conteúdos sem autorização, já gera, por si só, o dever de indenizar.

É importante notar que apesar de o Brasil ainda não possuir uma legislação específica para regular o uso de sistemas de inteligência artificial, já existem diversos outros dispositivos legais em vigor que protegem direitos e garantias individuais. Entre eles estão os direitos da personalidade, fundamentais para todos os cidadãos e que devem ser respeitados independentemente do meio ou contexto em que se verificam.

The content of this article is intended to provide a general guide to the subject matter. Specialist advice should be sought about your specific circumstances.

Mondaq uses cookies on this website. By using our website you agree to our use of cookies as set out in our Privacy Policy.

Learn More