Em 30/04/2019, foi editada a chamada “MP da Liberdade Econômica”. Publicada na mesma data em edição extra do Diário Oficial da União, a Medida Provisória nº 881 (MP nº 881) institui a “Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica” e trata de outras matérias relevantes.

Com a referida MP, o Governo Federal busca desburocratizar a atividade empresarial, especialmente aquela considerada de baixo risco, e, com pouca intervenção do Estado, estimular o empreendedorismo e a inovação.

Os princípios que norteiam a MP nº 881 são: (i) a presunção da liberdade no exercício de atividades econômicas; (ii) a presunção de boa-fé do particular; e (iii) a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado na economia.

Preparamos um breve resumo, ainda preliminar, dos pontos importantes da MP nº 881. Em razão da relevância do tema, alguns dos itens abaixo serão objeto de análise específica em boletins a serem divulgados oportunamente.

A Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica

A Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica (DDLE) estabelece normas e princípios para assegurar a proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica. Trata também da atuação do Estado como agente normativo e regulador, no âmbito previsto na Constituição Federal.

Pela DDLE, é direito de toda pessoa desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada, sem a necessidade de atos públicos de liberação da atividade econômica. Essa iniciativa é especialmente relevante para o ecossistema de startups brasileiro, pois caso suas atividades se enquadrem no conceito de baixo risco não será necessária obtenção de alvarás e autorizações de funcionamento – uma burocracia muitas vezes excessiva para essas empresas. Vale frisar que a definição de “atividade de baixo risco” deverá ser objeto de regulamentação posterior e, ainda, tais atividades obrigatoriamente serão prestadas em propriedade própria ou de terceiros consensuais.

Além disso, entre outros dispositivos, a DDLE traz inovações significativas. Descritos de forma genérica, seguem alguns exemplos que consideramos relevantes:

(i) tratamento isonômico de órgãos da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação de atividade econômica, os quais estarão vinculados aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores; 

(ii) garantia de que o contratado em negócios jurídicos empresariais prevalecerá sobre normas de ordem pública, com algumas exceções específicas;

(iii) nas solicitações de atos públicos de liberação de atividade econômica, o particular receberá após a instrução do processo um prazo expresso para a análise do pedido; o silêncio da autoridade no prazo fixado importará em aprovação tácita da solicitação, ressalvadas algumas hipóteses.

(iv) possibilidade de implementação, testes e oferecimento, gratuitos ou não, de novos produtos ou serviços sem necessidade de liberação prévia do poder público; esses procedimentos deverão ser feitos em grupos restritos em propriedades privadas, e não podem envolver materiais restritos ou oferecer riscos à segurança pública, sanitária ou nacional. Essa medida é destinada especialmente às startups em fases iniciais, que poderão validar seus produtos ou serviços em caráter experimental sem burocracias relacionadas a autorizações ou alvarás, por exemplo.

Garantias de Livre Iniciativa

Em relação à administração pública, a MP nº 881 estabelece que é seu dever, no exercício de regulamentação de norma pública, evitar o abuso de poder regulatório de maneira a, indevidamente: criar reserva de mercado, restringir a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado, exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado, aumentar o custo de transação sem demonstração de benefícios, introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas, entre outros.

Análise de Impacto Regulatório

Pela nova regra, as propostas de edição e de alteração de atos normativos da administração pública federal, que sejam de interesse geral de agentes econômicos, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.

Alterações do Código Civil

A MP nº 881 alterou alguns artigos do Código Civil (CC) com impactos relevantes.

Desconsideração da Personalidade Jurídica 

Algumas regras foram introduzidas em relação aos pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, que tem sido aplicada tanto na esfera administrativa quanto na judicial.

A desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil, pode ser aplicada nos casos de desvio de finalidade e confusão patrimonial. Esses conceitos foram definidos na nova redação do artigo 50 do CC e parágrafos.

Pela regra, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Ficou também estabelecido que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Por sua vez, confusão patrimonial foi definida como a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (i) cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (ii) transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações; e (iii) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Mais importante, a regra estabelece expressamente que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos mencionados no artigo 50 do CC não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Fundos de Investimento

Um novo capítulo sobre Fundos de Investimento foi criado no Livro III  do Código Civil. Apesar de reafirmar a competência da Comissão de Valores Mobiliários para disciplinar os referidos fundos, a nova regra permite aos fundos estabelecer a limitação da responsabilidade de cada condômino ao valor de suas cotas e ainda autoriza a limitação de responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários.

Enunciados de Súmula da Administração Tributária Federal

A MP nº 881 também tratou da criação de um comitê que editará enunciados de súmula da administração tributária federal. O Comitê será formado por integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Esses enunciados de súmula deverão ser observados nos atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelos referidos órgãos.

Matérias Tributárias Pacificadas

Ainda, com alterações na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, foi ampliado de maneira significativa o rol de hipóteses em que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional está dispensada de contestar, oferecer contrarrazões e de interpor recursos, bem como autorizada a desistir de recursos interpostos.

 

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá dispensar a prática de atos processuais, inclusive desistir de recursos interpostos (i) quando existir súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular, (ii) em relação a temas decididos pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, conforme critérios definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, ou, ainda, (iii) quando o benefício patrimonial almejado com o ato processual não atender aos critérios de racionalidade, de economicidade e de eficiência.

Digitalização de documentos com efeitos fiscais

A MP nº 881 ainda deixou clara a possibilidade de os contribuintes arquivarem documentos com efeitos fiscais por meio de microfilme ou por meio digital, hipótese em que o documento microfilmado ou digital será equiparado ao documento físico para todos os fins legais. Para tanto, deverão ser observadas as técnicas e os requisitos estabelecidos em regulamento a ser editado por ato do Poder Executivo federal.

Reflexo no Direito do Trabalho

A referida MP também gera reflexos nas relações de trabalho, na medida em que consigna expressamente que a legislação trabalhista é direito da pessoa física e também da jurídica, e que a garantia desses direitos é essencial para o crescimento e desenvolvimento econômico do país. Ainda, a MP impõe a observância de seus princípios e de suas disposições na interpretação e aplicação das normas trabalhistas, o que representa um desafio e talvez uma utopia para a Justiça do Trabalho na atualidade.

Por fim, a MP alterou o artigo 50 do Código Civil, que trata da desconsideração da personalidade jurídica, fixando critérios/hipóteses para tal declaração, o que poderá ser argumentado, na fase executiva trabalhista, em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, embargos à execução e agravo de petição.

Tramitação

A MP deverá ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias, contados da sua publicação no Diário Oficial da União, suspendendo-se esse prazo durante o recesso parlamentar. Nos seis dias após a publicação da MP, os parlamentares poderão apresentar emendas a ela. A MP deverá ser analisada por uma Comissão Mista, composta por senadores e deputados, para depois ser votada pelo Plenário da Câmara dos Deputados e pelo Plenário do Senado Federal separadamente. Se o Congresso aprovar emendas ao texto original da MP, a proposição será encaminhada ao presidente da República para sanção ou veto, parcial ou total. Caso a MP não seja aprovada pelo Congresso no prazo de 120 dias, perderá eficácia, e o Congresso deverá editar um decreto legislativo para regular as relações jurídicas surgidas quando a MP estava em vigor.

Durante a tramitação no Congresso, os parlamentares deverão analisar se a MP atende os requisitos de relevância e urgência e se não dispõe sobre as matérias vedadas pela Constituição (artigo 62, parágrafo 1º), quais sejam: (i) relativa a nacionalidade, cidadania, direitos e partidos políticos, direito eleitoral, direito penal, processual penal e processual civil, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, planos plurianuais e matérias orçamentárias; (ii) que vise à detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (iii) reservada à lei complementar; e (iv) já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso e pendente de sanção ou veto presidencial.

Conclusão

A MP nº 881 traz avanços significativos quanto a temas importantes para a atividade econômica como um todo. Essas inovações, se confirmada a conversão da Medida Provisória em lei, ainda serão alvo de discussões no Judiciário e estão sujeitas a regulamentações de outros órgãos da Administração Pública. No entanto, a MP nº 881 está sujeita a algumas críticas, inclusive por trazer alterações significativas por meio de Medida Provisória, sem o debate prévio com os agentes do mercado impactados por ela e mesmo com o Congresso.

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