Senado aprovou nesta quarta-feira a medida provisória 881, conhecida como MP da Liberdade Econômica. O texto já havia sido   aprovado na Câmara na semana passada.

O objetivo da MP é desburocratizar o ambiente de negócios, reduzir gastos para empregadores e facilitar a abertura de empresas. Mas há várias mudanças que mudam o dia a dia dos trabalhadores, como a adoção do controle de ponto 'por exceção'.

Um dos pontos mais polêmicos, a autorização para trabalho aos domingos e feriados, no entanto, foi derrubado.

Veja abaixo os principais pontos da MP e como essas mudanças vão alterar o seu dia a dia.

Controle de ponto

Com a MP, empresas com até 20 funcionários não precisam ter controle de ponto. Hoje, a regra vale para as empresas com até dez pessoas. Além dessa mudança, a MP cria o chamado registro de "ponto de exceção".

Esse modelo prevê que, como regra, a empresa - mesmo aquelas com mais de 20 funcionários - não precisa marcar o horário de entrada, saída e de almoço. Somente as horas extras, faltas e férias devem continuar sendo anotadas. A mudança ocorrerá por meio de acordo individual ou convenção coletiva.

— O trabalhador que cumpre jornada de 8h às 16h, por exemplo, não fará sinalizações no ponto, caso não tenha alteração nos horários. Agora, caso o empregador peça para chegar mais cedo ou o trabalhador faça horas além do combinado, ele sinaliza no ponto — explica Luiz Calixto, sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna.

Antonio Carlos Aguiar, especialista em direito do trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados, pondera que, embora seja permitido acordo individual sobre o controle de ponto, a diferença de tratamento entre funcionários de uma mesma área pode causar algum tipo de contestação judicial:

— As empresas devem ponderar a implementação deste sistema, uma vez que a situação de funcionários com tratamento diferente, no mesmo setor e com as mesmas funções, pode gerar questionamento jurídico. Para o ponto por exceção, o caminho que evitaria contestações seria a adoção por meio de acordo coletivo - diz Aguiar.

Embora o controle de ponto seja uma das provas utilizadas em um dos temas que figura no topo do ranking de ações trabalhistas - a reclamação para o pagamento de horas extra -, Gustavo Fossati, professor da FGV Direito, não acredita que a MP retire direitos do empregado. Segundo ele, a falta do cartão de ponto não impede a reclamação trabalhista na Justiça.

— O que se discute é abolir o sistema atual de controle de ponto. Num primeiro momento, os críticos falam em tentativa de tirar um direito do trabalhador, mas a hora extra vai continuar sendo anotada, como assegura a Constituição — pontua o professor.

Mariana Maduro, professora de Direito Empresarial da Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ, lembra que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já havia reconhecido a legalidade do fim do controle de ponto em empresas que fecharam acordos coletivos com os empregados.

—  Pelo ponto de vista da desburocratização, é um avanço. Se adotado o regime de ponto por exceção,  o registro fica limitado a horas extras, folgas e férias, o que reduz os custos empresarias — avalia Maduro.

Plataforma eSocial

O eSocial será alterado. Ainda não foram detalhados quais serão os novos protocolos adotados pelo sistema, mas a ideia é que seja simplificado. O texto da MP estabelece que as mudanças devem ocorrer em 120 dias. Ate lá, o sistema atual continua valendo.

Alessandra Trabuco, coordenadora do Departamento Jurídico Trabalhista do Vinhas e Redenschi Advogados, destaca que, qualquer que seja a mudança, é preciso levar em consideração os treinamentos que já foram feitos em equipes de RH para usar o eSocial.

— Por conta da falta de detalhes na nova plataforma, não é possível saber como será a questão da simplificação. Mas um ponto importante a ser considerado é que uma série de funcionários já foi treinada para operar o eSocial. Para ser mais efetiva a mudança, é preciso preservar algumas características do programa atual para não perder todo o treinamento já feito.

As mudanças na plataforma, destaca Lariane Del-Vecchio, advogada trabalhista do escritório Aith, Badari e Luchin, começarão a vigorar a partir de janeiro de 2020, para que os empresários possam se habituar com o novo sistema.

— Na primeira fase no processo, diversas alterações já serão implantadas, como flexibilidade no envio de informações quanto a afastamentos, inclusive férias. Não será necessário o envio de dados como contribuição sindical patronal, convocação do trabalho intermitente, aviso prévio e tabela de processos administrativos e judiciais.

Patrimônio

A  MP 881 define os requisitos  para determinar se sócios e administradores devem responder por dívidas de empresas. Pelo texto da MP, isso só será possível nos casos em que houver desvio de finalidade, ou seja, quando os sócios usarem a empresa com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Ou nos casos de confusão patrimonial.

A confusão patrimonial é quando os patrimônios das pessoas física e jurídica se confudem. Por exemplo: se um empresário usa dinheiro de uma conta pessoal para pagar os funcionários, ou faz uso de bem da empresa para fim pessoal.

Gabriel Corbage, coordenador societário do Vinhas e Redenschi Advogados, acredita que ficará mais difícil a cobrança de dívidas, inclusive trabalhistas:

— Vai ficar mais difícil receber, se a empresa não tiver patrimônio para cobrir. A medida provisória promoveu restrições ainda maiores à possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. Somente o patrimônio social da empresa responderá por dívidas, sem confundir com o patrimônio do titular, exceto em casos de fraude. O patrimônio de sócios de empresas só pode ser usado para indenizações em casos com intenção clara de fraude — explica Corbage.

O advogado lembra ainda que outro dispositivo previsto na MP facilita o ambiente de negócios que é a chamada sociedade unipessoal. O texto afasta a exigência de constituição de um sócio minoritário que não exerce função efetiva na empresa. Antes, era necessário apresentar no mínimo dois sócios, mesmo um deles com uma única cota, para constituir uma empresa. Esta exigência foi extinta com a medida.

Outra mudança que a MP estabelece são os motivos para a desconsideração da pessoa jurídica. Ou seja, as razões para que um juiz determine que as dívidas de uma empresa sejam pagas com o patrimônio dos sócios.

De acordo com o advogado trabalhista Eduardo Fritz, do escritório Fritz, Nunes e Conrado - Advogados e Consultores, hoje, é praticamente um ato contínuo o pedido dos juízes para considerar bens pessoais em causas trabalhistas. Com a mudança, isso só poderia ser feito em três condições: fraude, desvio de finalidade (dolo) e confusão patrimonial.

— Se uma empresa vier a falir por qualquer outro motivo, os bens dos sócios estarão protegidos. Já em caso de desconsideração devido à fraude, isso só atinge o sócio que praticou a atividade fraudulenta — ratifica João Quinelato, professor de Direito Cível do Ibmec/RJ.

Carteira digital

A Medida Provisória  propõe a digitalização da carteira de trabalho. Dessa forma, o trabalhador teria acesso a esse documento diretamente pelo celular. Atualmente, para emitir a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o trabalhador precisa marcar um horário em um posto de atendimento, levando identidade e número de PIS.

Com a MP, bastará o número do CPF para que a carteira seja emitida, mas o texto não diz como será o processo de emissão. Diz que a função seria de responsabilidade do Ministério da Economia.

De acordo com o advogado trabalhista Daniel Alves, do escritório Denise Rocha Advocacia, quem já tem a carteira de papel não precisaria se preocupar, pois ela continuaria valendo. Entretanto, quem vai emitir o documento pela primeira vez ou fazer segunda via, a faria de forma digital.

Ainda segundo o advogado, atualmente já é possível fazer a emissão de carteiras virtuais pelo site do Emprega Brasil, mas elas têm uso limitado.

—  Hoje, é apenas uma maneira de ter acesso à informação do trabalhador. Ela não tem validade para sacar FGTS, nem seguro desemprego. Nesses casos, é necessário apresentar a carteira de papel. Com a MP, a carteira digital teria igual validade — explica Alves.

O advogado trabalhista Solon Tepedino aponta que, enquanto a carteira de papel demora de sete a dez dias úteis para ficar pronta, a virtual seria emitida no mesmo dia. Outro ponto é a maior facilidade de o empregador verificar todos os antecedentes do funcionário via internet.

Apesar disso, Tepedino ainda não é favorável à digitalização:

— Há muitas pessoas que não têm conhecimento, nem acesso à internet. Além disso, é uma papelada muito grande para uma mudança tão rápida. 

Já o advogado trabalhista Eduardo Fritz, do escritório Fritz, Nunes e Conrado - Advogados e Consultores, enxerga de forma contrária. Para ele, a carteira digital é mais uma tentativa de desburocratizar as relações de trabalho.

—  A medida visa facilitar sua emissão, seu transporte e ainda dará maior agilidade no acesso às informações consolidadas em um único documento. Facilitará ao trabalhador inclusive uma maior fiscalização em relação aos seus vínculos trabalhistas — avalia.

Alvarás

A MP prevê que empresas de baixo risco não precisem mais de alvará para funcionar. No entanto, ainda não define quais seriam os critérios para a classificação de negócios de baixo risco.

Atualmente, o Brasil ocupa 109ª posição no ranking Doing Business, que trata dos melhores países para fazer negócios. O objetivo da proposta é tirar o foco do Estado as atividades que não oferecem risco e canalizar a força regulatória para atividades de alto risco.

Segundo o advogado Eduardo Fritz, a medida vai ao encontro do que se discute em relação ao custo de empreender no país, já que são necessárias inúmeras licenças.

Um salão, por exemplo, precisa de registro na Junta Comercial do Estado, na Secretaria da Receita Federal, na Secretaria Estadual da Fazenda; de cadastros no Sindicato Patronal e na Caixa Econômica Federal, no Programa de Conectividade Social, caso tenha funcionários; além dos alvarás do Corpo de Bombeiros e de funcionamento da prefeitura.

Para Fritz, a mudança será benéfica para todos, inclusive para o trabalhador, visto que será uma oportunidade de aumento da oferta de empregos e um estímulo à economia:

— O Brasil é um dos países onde mais se demora para abrir uma empresa, onde a burocracia se opõe à necessidade de desenvolvimento de nossa economia. Desde que a ausência de alvarás não indiquem falta de fiscalização em atividades relacionadas por exemplo com alimentação e saúde, no mais quanto mais simples melhor para o empreendedor e para o país.

Para o advogado Daniel Alves, do escritório Denise Rocha Advocacia, a redução da burocracia para os pequenos negócios é positiva. Muitos prestadores de serviço não emitem nota fiscal devido à dificuldade de regularizar um CNPJ, diz.

No entanto, ele alerta que a mudança pode gerar conflito com os municípios que, por serem responsáveis pela emissão dos alvarás, sofrerão perda de receitas.

Além de não exigir alvará de negócios de baixo risco, o empresário que registrar uma nova empresa terá direito ao registro automático quando o nome e a localização forem aprovados previamente e quando utilizar o texto padrão oferecido pelo governo. Nessa hipótese, haveria o arquivamento imediato do contrato social.

Dupla visita

A MP também oficializa um mecanismo que já acontece na prática das fiscalizações: na primeira visita a atividades de risco leve, o fiscal deve orientar o responsável pelo local e explicar quais as mudanças esperadas. Após o prazo determinado, mediante descumprimento, poderá lavrar auto de infração.

Entretanto, há exceções. O fiscal poderá aplicar a punição já na primeira visita em caso de reincidência, trabalho infantil ou forçado e falta de registro do empregado.

—  A fiscalização não é obrigada a aplicar a dupla visita quando verificam-se erros feitos de forma criminosa. Então, a multa é direta — explica o advogado trabalhista Eduardo Fritz.

Antonio Carlos Aguiar, especialista em direito do trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados, explica que, atualmente, não há um cronograma obrigatório para que estabelecimentos sejam fiscalizados:

— A legislação não determina um período no qual as fiscalizações devem ser feitas. Os estabelecimentos têm livros de inspeção para controlar as visitas, mas elas não seguem um cronograma.

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