Em 18 de junho de 2019, foi publicada a Resolução Normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica ("Aneel") nº 846, de 11 de junho de 2019 ("Resolução nº 846"), após ampla discussão no âmbito da Audiência Pública nº 77/2011 realizada nos períodos de 2011 a 2012 e 2015 a 2016, introduzindo mudanças significativas nos procedimentos, parâmetros e critérios para a imposição de penalidades aos agentes do setor elétrico.

Com exceção das novas regras sobre parcelamento de multas, que já estão em vigor, as demais novas regras e procedimentos da Resolução nº 846 entrarão em vigor no prazo de 6 (seis) meses após a sua publicação, ou seja, em 18 de dezembro de 2019, com a revogação integral da Resolução Normativa Aneel nº 63, de 12 de maio de 2004 ("Resolução nº 63").

Abaixo destacamos as principais mudanças introduzidas pela Resolução nº 846.

(i) Nova Penalidade de Obrigação de Fazer e Não Fazer

O Superintendente responsável pela ação fiscalizadora poderá a aplicar penalidade de obrigação de fazer ou não fazer, de forma alternativa ou concomitante à outra penalidade, quando verificar que a imposição de prática ou abstenção de conduta ao agente infrator seja conveniente e oportuna, a fim de inibir o cometimento de nova infração.

O descumprimento da ordem de fazer ou não fazer pelo agente infrator no prazo fixado pela Aneel implicará em multa diária, conforme o porte ou a natureza do agente, por até 30 dias, limitada a 2% da nova base de cálculo para aplicação de multa, conforme abaixo detalhado.

(ii) Advertência como Penalidade Residual

Os tipos infracionais anteriormente sujeitos à penalidade de advertência passam, em sua maioria, a estar sujeitos à penalidade de multa do Grupo I, sendo que a penalidade de advertência será aplicada apenas quando não houver reincidência específica e a infração for de baixa ofensividade, passando a ter um caráter residual.

(iii) Redefinição dos Limites Percentuais dos Grupos de Multas

A tabela comparativa abaixo sumariza as mudanças nos limites percentuais dos grupos de multas:

Image

Como se nota, os limites percentuais dos Grupos I e II sofreram um aumento substancial e foi criado um limite intermediário de 0,5%. De acordo com a Aneel, os novos limites percentuais dos grupos de multa apresentam uma distribuição mais equilibrada, sendo a relação entre os percentuais máximos dos grupos será de 16 vezes ao invés de 200 vezes com base nos limites percentuais anteriores.

Apesar de a Aneel ter indicado que a intenção da refefinição dos limites percentuais dos grupos de multa seria o desagravamento de boa parte das infrações que teriam sido excluídas do Grupo IV e incluídas no novo Grupo III, podemos afirmar, de maneira geral, que houve um agravamento da maior parte das infrações, conforme detalhado a seguir.

(iv) Revisão dos Tipos Infracionais e da Classificação dos Tipos Infracionais nos Grupos de Multas

Os tipos infracionais foram aprimorados e reclassificados e, ainda, foram criados novos tipos infracionais com o preenchimento de lacunas, inclusive, mediante alguns tipos infracionais "guarda-chuva".

Grupo I: Destacamos que foram incluídos no Grupo I a maior parte dos tipos infracionais que anteriormente estavam sujeitos à simples advertência. A maior parte dos tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo I foram mantidos no Grupo I, tendo o limite percentual da multa sido aumentado de 0,01% para 0,125%. Alguns tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo I foram reclassificados para os Grupos II1, III2 e IV3.

Grupo II: A maior parte dos tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo II foram mantidos no Grupo II, tendo o limite percentual da multa sido aumentado de 0,1% para 0,25%. Um dos tipos infracionais anteriormente enquadrado no Grupo II foi reclassificado para o Grupos III4. Foram criados os seguintes novos tipos infracionais no Grupo II: (i) art. 10, VII – "descumprir disposições legais ou regulamentares relativas aos limites máximos de exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos variantes no tempo, produzidos pelas instalações de geração, de transmissão, de distribuição e de interesse restrito, em qualquer nível de tensão"; (ii) art. 10, IX – "deixar de implantar, operar ou manter, nos termos da legislação, as instalações de observações hidrométricas, anemométricas ou solarimétricas"; (iii) art. 10, XVI – "deixar de atender qualquer obrigação regulatória vinculada à declaração de utilidade pública de áreas necessárias à implantação de instalações de energia elétrica"; e o guarda-chuva (iv)  art. 10, XX – "deixar de enviar ou disponibilizar à ANEEL informações ou documentos, nos prazos e nas condições estabelecidas na legislação".

Grupo III: Uma parte dos tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo III foram mantidos no Grupo III, tendo o limite percentual da multa sido diminuído de 1% para 0,5%, mas a maior parte foi reclassificada para o Grupo IV. Dois tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo IV foram reclassificados para o Grupo III5, tendo o limite percentual da multa sido diminuído de 2% para 0,5%. Foram criados vários novos tipos infracionais no Grupo III, sendo que destacamos os seguintes: (i) art. 11, VII – "deixar de cumprir ao disposto nos Procedimentos de Distribuição"; (ii) art. 11, IX – "deixar de cumprir ao disposto nos Procedimentos de Regulação Tarifária"; o guarda-chuva (iii) art. 11, XIV – "deixar de cumprir ao disposto em resoluções da ANEEL"; (iv) art. 11, XVIII – "implementar atos ou negócios jurídicos que não observem aos critérios definidos na legislação entre concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor de energia elétrica e suas partes relacionadas"; (v) art. 11, XIX – "deixar de celebrar ou celebrar em desacordo com as disposições legais ou regulamentares contrato de uso, de conexão, de serviço, de compra e venda de energia, ou qualquer outro tipo de contrato exigido na legislação"; entre outros.

Grupo IV: Como mencionado acima, a maior parte dos tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo III foram reclassificados para o Grupo IV, mantendo-se, assim, o mesmo limite percentual da multa de 1%. A maior parte dos tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo IV foram mantidos no Grupo IV, tendo o limite percentual da multa sido diminuído de 2% para 1%. Foram criados alguns novos tipos infracionais no Grupo IV, sendo que destacamos os seguintes: (i) art. 12, XV – "deixar de conceder benefício tarifário a que o consumidor e os demais usuários têm direito ou fazê-lo em desacordo com a legislação"; (ii) art. 12, XXIII – "impedir ou dificultar, por ação ou omissão, a avaliação acerca de ato de concentração"; e (iii) art. 12, XXV – "descumprir disposições legais, regulamentares, contratuais ou constantes do ato de concessão, permissão ou autorização relativas à segurança de barragens"; entre outros.

Grupo V: Uma parte dos tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo IV foram reclassificados para o Grupo V, mantendo-se, assim, o mesmo limite percentual da multa de 2%. Três tipos infracionais anteriormente enquadrados no Grupo III foram reclassificados para o Grupo V6, tendo o limite percentual da multa sido aumentado de 1% para 2%. Foram criados vários novos tipos infracionais no Grupo V, sendo que destacamos os seguintes: (i) art. 13, VIII – "implementar atos ou negócios jurídicos celebrados entre partes relacionadas em prejuízo da modicidade tarifária ou do equilíbrio econômicofinanceiro da concessão ou permissão"; (ii) art. 13, IX – "descumprir o agente de distribuição a obrigação de adquirir energia elétrica pelo menor custo, nos termos da legislação"; (iii) art. 13, X – "manter em sua contabilidade ou em seu controle patrimonial, ativos inexistentes ou apropriar indevidamente despesas ou contribuições de terceiros como investimento"; (iv) art. 13, XI – "implementar atos ou negócios jurídicos que não observem aos critérios definidos na legislação entre concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor de energia elétrica e suas partes relacionadas"; (v) art. 13, XI – "praticar conduta que atente contra a concorrência efetiva, o desenvolvimento normal das operações do mercado de energia elétrica ou a ordem econômica"; (vi) art. 13, XII – "efetuar contratação simulada"; (vii) art. 13, XIII – "deixar Função Transmissão - FT indisponível ou com restrição operativa temporária por período de tempo superior àqueles considerados para estabelecimento dos limites de desconto de Parcela Variável por Indisponibilidade - PVI e Parcela Variável por Restrição Operativa - PVRO definidos em legislação que trate da qualidade do serviço público de transmissão"; entre outros.

(v) Alterações na Base de Cálculo das Multas

Um das mudanças mais importantes é a relativa à nova base de cálculo para aplicação das multas, que passa a ser o valor da Receita Operacional Líquida – ROL ou o valor estimado da energia produzida nos casos de autoprodução e produção independente, ambos correspondentes aos 12 meses anteriores à lavratura do Auto de Infração – AI, calculado por segmento (geração, transmissão, distribuição ou comercialização) no qual foi identificada a infração, desde que esta possa ser associada a apenas um dos segmentos, incluindo o conjunto de autorizações e contratos de concessão e permissão daquele segmento.

As multas, portanto, passam a ser proporcionais ao porte econômico do agente infrator. Portanto, grupos que atuam em vários segmentos ou mesmo empresas que atuam em um segmento com diversas autorizações e contratos de concessão e permissão estarão sujeitos a multas em valores substancialmente maiores do que aquelas anteriormente aplicadas.

A Resolução nº 846 aprimorou o critério de cálculo do valor estimado da energia produzida, que será realizado equivalente ao produto da parcela da garantia física comprometida no Ambiente de Contratação Regulada - ACR pelo preço atualizado da energia comercializada e do produto da parcela da garantia física destinada ao Ambiente de Contratação Livre - ACL e/ou à autoprodução pelo Valor Anual de Referência - VR vigente quando da lavratura do AI.

A Aneel poderá afastar, excepcionalmente e de modo fundamentado, a aplicação de metodologia para o cálculo do valor base da multa, se referido valor não atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

(vi) Agravantes e Atenuantes

A Resolução nº 846 inova ao normatizar as agravantes e atenuantes para a dosimetria das multas da seguinte forma:

image

(vii) Desconto e Parcelamento de Multa

Como incentivo à redução da litigância administrativa, a Resolução nº 846 estabelece um desconto de 25% sobre o valor da multa caso o agente infrator renuncie expressamente ao direito de interpor recurso e desde que efetue o pagamento da multa, de forma integral, no prazo de 20 dias contados do 1º dia útil do recebimento da notificação da decisão.

Há, ainda, a possibilidade de parcelamento da multa em até 36 parcelas mensais e sucessivas, não podendo cada parcela ser inferior a R$10.000,00, solicitado a qualquer tempo, desde que o agente infrator não esteja inscrito no Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados de Órgãos e Entidades Federais – Cadin com relação a esse débito.

Para as multas irrecorríveis anteriores à Resolução nº 846, os agentes infratores poderão requerer seu parcelamento já nos termos da Resolução nº 846 no prazo de 75 dias da data de recebimento de cobrança formal da Aneel.

(viii) Suspensão do Direito de Participar de Licitações, de Contratar com a Aneel e de Receber Autorizações

Além de terem sido inseridos dois novos tipos infracionais sujeitos à penalidade acima referida – (i) reiterado descumprimento de obrigação de pagamento ou recolhimento de compra e venda de energia em contratos regulados ou de Itaipu Binacional ou de encargos setoriais e (ii) reiterado descumprimento de metas de universalização de energia elétrica –, a Resolução nº 846 prevê que a caracterização da violação reiterada levará em conta a conduta individual do agente e a atuação das demais sociedades de seu grupo econômico, podendo a penalidade ser aplicada ao agente infrator e também ao grupo econômica, incluindo sócio ou acionista controlador e sociedades controladas, coligadas ou vinculadas, considerando as circunstâncias do caso concreto.

(ix) Plano de Transferência de Controle Societário como Alternativa à Extinção da Concessão, Permissão ou Autorização

A Resolução nº 846 faz expressa referência ao direito do agente, que tenha a concessão ou a permissão declarada caduca ou a autorização revogada, de apresentar plano de transferência de controle societário como alternativa à extinção da concessão, permissão ou autorização, nos termos do art. 4ºC da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, com a redação dada pela Lei nº 13.360, de 17 de novembro de 2016.

Considerações Finais

A própria Resolução nº 846 indica que será objeto de nova revisão em até 5 anos após sua entrada em vigor.

Nossos times de Energia & Contencioso – no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília – estão à sua inteira disposição para prestar quaisquer esclarecimentos relacionados ao tema deste informativo.

Para acesso ao texto integral da Resolução nº 846, clique aqui

Footnotes

1 Reclassificados do Grupo I para Grupo II: (i) art. 10, III – "descumprir as determinações da legislação relacionadas ao prévio aviso para a suspensão ou a interrupção programada do fornecimento"; (ii) art. 10, VI – "deixar de utilizar pessoal técnico, próprio ou de terceiros, habilitado de acordo com normas legais ou técnicas, para a operação e a manutenção das instalações elétricas"; (iii) art. 10, VIII – "descumprir as normas de gestão dos reservatórios ou das respectivas áreas de proteção".

2 Reclassificado do Grupo I para Grupo III: art. 11, II – "deixar de restituir ou restituir incorretamente aos consumidores e usuários os valores recebidos indevidamente, os aportes realizados a título de antecipação do atendimento ou de pagar indenizações, compensações, ressarcimentos ou de devolver bônus, nos prazos ou nas condições estabelecidas em contrato ou na legislação". 

3 Reclassificado do Grupo I para Grupo IV: art. 12, III – "deixar de atender pedido de serviços nos prazos e nas condições estabelecidas na legislação ou no contrato".

4 Reclassificado do Grupo II para Grupo III: art. 11, I – "deixar de instituir ou de prover condições para o adequado funcionamento da Ouvidoria ou do Conselho de Consumidores".

5 Reclassificados do Grupo IV para Grupo III: (i) art. 11, XI – "deixar de cumprir ao disposto na Convenção, nas Regras, nos Procedimentos de Comercialização ou na Convenção Arbitral celebrada entre os agentes e a CCEE"; e (ii) art. 11, XX – "celebrar ou implementar ato ou negócio jurídico distinto da versão examinada e aprovada pela ANEEL".

6 Reclassificados do Grupo III para Grupo V: (i) art. 13, II – "provocar, dar causa ou permitir a propagação de distúrbio que ocasione o desligamento de consumidores ou usuários em decorrência de falha de planejamento ou de execução da manutenção ou operação de suas instalações, ou retardar o restabelecimento do sistema"; (ii) art. 13, III – "implantar, operar ou manter instalações de energia elétrica e os respectivos equipamentos de forma inadequada, em face dos requisitos legais, regulamentares ou contratuais aplicáveis, resultando em acidente com vítima fatal ou de invalidez permanente, envolvendo empregado, subcontratado ou terceiro"; e (iii) art. 13, IV – "implantar, operar ou manter instalações de energia elétrica e os respectivos equipamentos de forma inadequada, em face dos requisitos legais, regulamentares ou contratuais aplicáveis, resultando em danos ao meio-ambiente ou às populações circunvizinhas". Ressaltamos que os tipos infracionais previstos nos arts. 13, III e IV, foram limitados à situação em que a infração resultou em acidente com vítima fatal ou invalidez permanente ou dano ambiental ou às populações circunvizinhas.

Visit us at Tauil & Chequer

Founded in 2001, Tauil & Chequer Advogados is a full service law firm with approximately 90 lawyers and offices in Rio de Janeiro, São Paulo and Vitória. T&C represents local and international businesses on their domestic and cross-border activities and offers clients the full range of legal services including: corporate and M&A; debt and equity capital markets; banking and finance; employment and benefits; environmental; intellectual property; litigation and dispute resolution; restructuring, bankruptcy and insolvency; tax; and real estate. The firm has a particularly strong and longstanding presence in the energy, oil and gas and infrastructure industries as well as with pension and investment funds. In December 2009, T&C entered into an agreement to operate in association with Mayer Brown LLP and become "Tauil & Chequer Advogados in association with Mayer Brown LLP."

© Copyright 2019. Tauil & Chequer Advogados, a Brazilian law partnership with which Mayer Brown is associated. All rights reserved.

This article provides information and comments on legal issues and developments of interest. The foregoing is not a comprehensive treatment of the subject matter covered and is not intended to provide legal advice. Readers should seek specific legal advice before taking any action with respect to the matters discussed herein.