No primeiro texto referente à Consulta Pública nº 01/2017, relativa às Diretrizes Gerais e ao Guia Orientativo de Elaboração de Análises de Impacto Regulatório (AIR), aberta pela Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República (SAG), abordei o que chamei de pressupostos ocultos da minuta, com foco em objetivos, modelos e funções de uma AIR1. Parti da ideia de que a proposta em consulta adotou caminhos não necessários, que precisam ser compreendidos e devidamente debatidos.

Neste segundo texto, continuo a apresentá-los. Discuto (i) o risco da preponderância de uma visão estreita sobre regulação, (ii) a alocação dos responsáveis pelas análises e (iii) alguns aspectos metodológicos da ferramenta.

Em primeiro lugar, embora a proposta deixe explícito que não se volta às agências reguladoras com exclusividade, tanto o histórico do tema quanto o modo pelo qual a minuta foi construída elevaram o uso das AIRs pelas agências federais a uma posição central. Aqui, duas questões se colocam.

A primeira refere-se à leitura potencialmente limitada que ainda se faz da ideia de regulação. Uma identificação (quiçá não intencional) entre regulação e desenho jurídico-institucional das agências ainda restringe debates importantes a setores regulados, como o uso de ferramentas de incremento de qualidade normativa.

Ao deixar de lado as possibilidades de uso desse ferramental à elaboração legislativa mais ampla, ainda que com severas adaptações, contribui-se para reduzir a força e a amplitude de políticas gerais de qualidade normativa2. A consulta pública não incorreu nesse cerceamento; no entanto, a aplicação do que se propõe pode ser mais ampla do que o originalmente previsto.

A segunda, mais importante para essa consulta, refere-se à alocação dos responsáveis pelas análises de impacto. Definiu-se um modelo – interno, descentralizado e unitário – que, embora pareça natural, novamente não é único nem necessário. É opção que deve ser bem compreendida.

O modelo é interno porque se vale, usualmente, dos técnicos pertencentes a cada agência (nada obsta que haja contratações externas ad hoc). Aposta-se na expertise daqueles já envolvidos com o tema. É descentralizado porque feito em cada agência, não por eventual órgão central. É unitário porque não prevê, até segunda ordem, um responsável pela revisão da análise, ou ao menos pela validação de seus aspectos metodológicos.

Essa pré-definição não é um problema em si. Em verdade, tem o mérito de partir do desenho institucional posto. Contudo, o modelo não precisa ser assim. Em contraponto à internalização, que por si só tem variantes (grupo de análise mais ou menos próximo do decisor final), seria possível envolver atores externos ou independents (acadêmicos, think tanks etc). Em contraponto à descentralização, pense-se em um ou mais aspectos sob a responsabilidade de um órgão coordenador – com eventuais perdas de expertise setorial e eventuais ganhos de padronização e controle. Em contraponto ao desenho unitário, há a alternativa de núcleos especializados supervisionando os estudos (os Regulatory Oversight Bodies – ROBs), como fazem inúmeros países, de forma a garantir patamares mínimos de qualidade técnica.

Tais escolhas têm prós e contras e dependem de pressupostos institucionais, financeiro-orçamentários, políticos e temporais. Também é possível modular desenhos distintos a partir dos diferentes graus de complexidade de análise, como já ocorre em agências como a Anvisa. RIAs de nível II, por exemplo, poderiam ser metodologicamente validados por agentes externos. Resumidamente, há trade-offs nas premissas estabelecidas, e é fundamental que eles sejam esmiuçados.

Sob outro aspecto, a consulta acertadamente optou por deixar em aberto os aspectos metodológicos envolvidos em uma AIR. A escolha pode ter decorrido de racionais distintos: (i) falta de acordo político e consequente diferimento da decisão; (ii) percepção de que a metodologia a ser empregada na análise depende de cada caso, sendo essencial defini-la diante de cada novo problema. Especialmente a partir do bom elenco de alternativas metodológicas apresentado no Guia, a segunda hipótese parece mais factível.

Embora tenha razão de ser, a indefinição deliberada de método a priori para as AIRs novamente não é trivial. É que no tratamento tradicional relativo ao tema, menções à análise custo-benefício (CBA) são extremamente comuns, havendo quem vislumbre vinculação quase necessária entre AIR e CBA. Em conceito sintético, o método CBA busca apresentar, para cada alternativa regulatória, a diferença entre custos e benefícios projetados, geralmente expressa de forma monetária, ordenando opções de acordo com o maior benefício líquido vislumbrado.

A minuta trata do assunto, referindo-se recorrentemente ao balanço entre custos e benefícios e defendendo que os últimos devem justificar os primeiros (não necessariamente os superar). No entanto, também como traz a minuta, o método CBA não esgota as alternativas existentes, nem exige exclusividade.

O método CBA é apto a atingir o que usualmente se almeja com a RIA, mas não há mágica em seu emprego. Inúmeros autores contestam, com dados empíricos, sua alegada eficácia. Apontam a enorme disparidade de qualidade entre estudos similares, ou a frequente ausência de informações relevantes nas avaliações. Também apontam o baixo número de alternativas efetivamente tratadas, a dificuldade de se quantificar ou monetizar determinados elementos, ou ainda a baixa relevância de seus resultados em temas politicamente sensíveis3.

Depois, a depender dos impactos perquiridos – se meramente econômicos ou se sociais, ambientais etc –, da qualidade de informações disponíveis, bem como dos objetivos em causa, a abordagem mais oportuna pode exigir avaliações complementares, ou mesmo de outra natureza. Circunstâncias podem exigir a substituição da CBA por outra metodologia mais adequada, como a análise custo-efetividade, a análise multi-critério, a análise de risco, ou mesmo o standard cost-model, de matriz holandesa, com rápido avanço em solo europeu.

Finalmente, há ainda um importante debate quanto a aspectos distributivos ou de equidade (vencedorese perdedores). O tema encontra divergências na doutrina, mas parece razoável defender que países de desigualdade gritante, como o caso brasileiro, deveriam atribuir maior centralidade a aspectos distributivos em suas análises rotineiras.4

Não significa defender que aspectos distributivos possam ou devam ser verificados sempre – em muitos setores, e em muitos casos, isso simplesmente não se coloca. Significa apenas dizer que devem ter papel significativo, se e quando cabível. Se isso é frequentemente deixado de lado, talvez caiba à consulta pública induzir avanços nesse sentido.

Footnotes

1  Cf. Análise de Impacto Regulatório: os pressupostos ocultos da consulta pública (I), publicado no Jota em 11/10/2017.

2  Cf. Legislação e Regulação: uma aproximação necessária, publicado no Jota em 31.03.2017. Disponível em https://jota.info/colunas/coluna-do-levy-salomao/legislacao-e-regulacao-uma-reaproximacao-necessaria-30032017.

3  A título de exemplo, cf. SHAPIRO, Stuart; MORRALL III, John F. The Triumph of Regulatory Politics:

benefit-cost analysis and political salience. Regulation & Governance, v. 6, 2012, p. 189-206; HAHN, Robert; DUDLEY, Patrick. How Well Does the US Government do Benefit-Cost Analysis? Review of Environmental Economics and Policy, v. 1:2, 2007, p. 192–211; HAHN, Robert; TETLOCK, Paul. Has Economic Analysis Improved Regulatory Decisions? The Journal of Economic Perspectives, v. 22 (1), 2008, p. 67-84; LODGE, Martin; WEGRICH, Wai. Managing Regulation: regulatory analysis, politics

and policy. London: Palgrave MacMillan, 2012.

4  A crítica não é inerente às análises custo-benefício, que se prestam a objetivos específicos e pré-determinados.

The content of this article is intended to provide a general guide to the subject matter. Specialist advice should be sought about your specific circumstances.