1. Introdução: a incessante tentativa de regulação da estrutura de formação de preços de estacionamentos de shopping centers.

Desde longa data – e com tréguas tão raras quanto curtas –, a experiência brasileira tem fornecido vasto repertório de medidas – de políticas econômicas a atos normativos – que representam intervenção direta do Estado no domínio econômico e na liberdade empresarial.

Um exemplo de tais medidas que há décadas atormentam o empresariado nacional, e também o estrangeiro aqui estabelecido, é a insistência com que legisladores (sobretudo estaduais e municipais) investem contra empreendedores de shopping centers, na tentativa de regular os preços praticados em estacionamentos disponibilizados aos frequentadores de tais estabelecimentos comerciais.[1]

Além de insistentes, tais iniciativas legislativas têm se mostrado cada vez mais inventivas, dada a infinidade de modalidades de (indevida) intervenção estatal pretendidas nas incontáveis normas estaduais e municipais[2] já editadas sobre o tema: desde a "primeira geração" de leis dessa natureza (que pretendiam simplesmente impor a concessão de gratuidade nos estacionamentos de shopping centers), datada de meados da década de 1990, as formas de interferência foram sendo gradualmente modificadas,[3] assim como as justificativas adotadas para a formulação de tais normas.

Após as primeiras tentativas de imposição de gratuidade pura e simples, já foram propostas e aprovadas, desde então, leis que tinham por fim obrigar os empreendedores a (i) conceder períodos mínimos de "carência" nos estacionamentos,[4] (ii) oferecer gratuidade para determinados grupos sociais (idosos, gestantes, pessoas com necessidades especiais etc.), (iii) oferecer gratuidade para os frequentadores que comprovassem o consumo de produtos no interior do shopping center em valor proporcionalmente superior ao da tarifa de estacionamento, (iv) implementar "bancos de horas" para os frequentadores, para que eventuais "créditos" de minutos não utilizados em uma visita fossem revertidos para uso futuro, (v) praticar a cobrança fracionada pela utilização do estacionamento (proibindo, assim, a cobrança por períodos mínimos e estabelecendo, em seu lugar, a cobrança por frações de hora), dentre muitas outras modalidades.

Felizmente, tais investidas têm sido firmemente rechaçadas pelo Poder Judiciário,[5] tendo, ao longo do tempo, a jurisprudência de nossos Tribunais convergido para reconhecer a sua inconstitucionalidade, por aspectos formais[6] e materiais. Nesse sentido, podem ser destacados, a título ilustrativo, os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal em que foi reconhecida a inconstitucionalidade de leis que albergam pelo menos uma das modalidades de intervenção acima referidas: (a) Lei n° 2.050/92, do Estado do Rio de Janeiro, declarada inconstitucional na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 1.623-7 (Relator Ministro Joaquim Barbosa); (b) Lei n° 4.711/92, do Estado do Espírito Santo, fulminada por inconstitucional na ADI n° 1.918-1 (Relator Ministro Maurício Correia); (c) Lei n° 1.094/96, do Distrito Federal, cuja inconstitucionalidade foi decretada na ADI n° 1.472-2 (Relator Ministro Ilmar Galvão); (d) Lei nº 2.702/01, do Distrito Federal, declarada inconstitucional na ADI n° 2.448-5 (Relator Ministro Sydney Sanches); (e) Lei nº 15.233/05, do Estado de Goiás, que teve a sua inconstitucionalidade reconhecida na ADI nº 3.710-2 (Relator Ministro Joaquim Barbosa); (f) Lei nº 4.049/02, do Estado do Rio de Janeiro, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e confirmada pelo STF no AgRg no Ag nº 742.679 (Relator Ministro Ricardo Lewandowski); e (g) Lei nº 4.541/05, do Estado do Rio de Janeiro, definitivamente banida da ordem jurídica por decisão proferida no AI nº 730.856 (Relator Ministro Marco Aurélio).

Embora sejam mais facilmente encontrados argumentos pertinentes à inconstitucionalidade formal de tais normas nas decisões que apreciaram a matéria na Corte Suprema,[7] não são menos contundentes os argumentos de ordem material (igualmente aplicáveis, por óbvio, a leis federais que venham a tratar do assunto) que vedam esse tipo de intromissão do Poder Público na atuação empresarial dos empreendedores de shopping centers (e administradores de estacionamentos privados em geral).

O presente artigo se propõe a tratar justamente (i) dos aspectos materiais da discussão sobre a constitucionalidade de leis e outras medidas[8] que tenham o objetivo de intervir, sob qualquer modalidade, na estrutura de formação de preços para utilização de estacionamentos particulares, notadamente aqueles localizados nas dependências de shopping centers, bem como (ii) de argumentos de racionalidade econômica, sob a ótica da teoria da regulação e da defesa da concorrência, que desqualificam as falaciosas justificativas que, não raro, acompanham a edição de iniciativas dessa natureza (supostamente destinadas à proteção e defesa do consumidor).

Sob tal perspectiva, trataremos, a seguir, dos óbices materiais à intervenção do Poder Público na livre fixação de preços e critérios de cobrança, decorrentes da opção adotada na Constituição Federal de 1988 (CF/88) por uma economia de mercado, fundada no primado da livre iniciativa, princípio fundamental da República e norteador da ordem econômica constitucional, o qual somente pode ser relativizado em hipóteses excepcionalíssimas, que não guardam relação com as características do mercado em análise e não chancelam, portanto, as justificativas para a formulação de leis sobre o tema em foco.

Indo além dos argumentos jurídicos destinados a afastar tais iniciativas, abordaremos razões de natureza econômica, muitas delas escoradas em pronunciamentos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), para demonstrar que, a par dos óbices constitucionais, a racionalidade econômica também desautoriza a adoção de tais medidas interventivas, sob pena de os seus efeitos se desviarem largamente daqueles pretendidos pelo legislador.

2.Ordem econômica constitucional: opção por uma economia de mercado.

2.1 O primado da livre iniciativa.

Como se extrai do caput do art. 170 da CF/88, a ordem econômica constitucional é "fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa". Referido dispositivo ergue, pois, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa ao status de princípios norteadores da ordem econômica, em linha com o disposto no art. 1º, IV, da CF/88, que confere a tais princípios a condição de fundamentos da República.

Com efeito, a livre iniciativa tem como pressupostos irrecusáveis e inerentes à opção por uma economia de mercado a estrita observância dos seguintes direitos positivados pela CF/88:

  • a livre exploração da propriedade privada (leia-se, dos bens e meios de produção), direito fundamental consagrado no art. 5º, XXII e um dos princípios setoriais da ordem econômica, consoante o inciso II do art. 170;
  • a liberdade de empresa, que assegura o livre desenvolvimento de toda e qualquer atividade econômica, sem a necessidade de intervenção do Estado, ressalvadas as exceções legais (cf. § único do art. 170);
  • a livre concorrência, inserida no rol de princípios setoriais do art. 170 (inciso IV) e que, conforme definição empregada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, dá "lastro para a faculdade de o empreendedor estabelecer os seus preços, que hão de ser determinados pelo mercado, em ambiente competitivo"[9]; e
  • a liberdade de contratar, corolário do princípio da legalidade (art. 5º, II), que oferece a segurança de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa (aí incluída, por óbvio, a exploração de sua atividade em moldes que não lhe pareçam convenientes) senão em virtude de lei.

De fato, como esclarece Miguel Reale: "livre iniciativa e livre concorrência são conceitos complementares, mas essencialmente distintos. A primeira não é senão a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição das riquezas, assegurando não apenas a livre escolha das profissões e das atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados mais adequados à consecução dos fins visados. Liberdade de fins e de meios informa o princípio de livre iniciativa, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta interpretação conjugada dos citados arts. 1º e 170."[10]

Na esteira dos anseios que pautaram a adoção de um modelo econômico de livre mercado, fundado na livre iniciativa, desde a extinção da antiga Superintendência Nacional do Abastecimento – SUNAB, através da Lei Federal nº 9.618/98, não há que se falar em "tabelamento", "congelamento" ou qualquer outra forma de controle estatal de preços privados no Brasil. Justo por isso, prestigiar incursões que tenham o objetivo de restringir a liberdade do particular de formar os preços praticados em estacionamentos privados significaria grave e perigoso retrocesso no modelo econômico adotado na CF/88.

Assim, em função de sua evidente incompatibilidade com os pressupostos já acima listados, reputa-se inconstitucional, nos casos de que se está a cuidar, a intromissão do Poder Público para fixar ou rever os preços praticados por aqueles que exploram atividades privadas de guarda e conservação de veículos.

De fato, a ninguém é dado negar a liberdade dos agentes econômicos para a fixação dos preços de seus serviços e produtos. De acordo com um dos mais elementares princípios econômicos, em ambientes competitivos, tais preços são regulados pelo próprio mercado em que as atividades se inserem.

É o que pondera o Ministro Luis Roberto Barroso:

"Ora bem: se a liberdade para fixar preços de acordo com o mercado concorrencial é da própria essência da livre iniciativa, ela não pode ser eliminada de forma peremptória, sob pena de negação do princípio, e não de ponderação com outros valores. A menos que – e este é o ponto a que se chegará mais à frente – o controle prévio fosse necessário para recompor o próprio sistema de livre iniciativa. (...)

Adotar, portanto, uma política que altere a livre fixação dos preços pelas forças do mercado – sem que se esteja diante de uma deterioração tal do mercado em que esta seja a única medida capaz de restabelecer a livre iniciativa e a livre concorrência – importa, em última instância, a deturpação do modelo instituído pela Constituição de 1988. Em outras palavras: em condições regulares de funcionamento do mercado concorrencial, não é possível a intervenção estatal que elimine a livre iniciativa e a livre concorrência – de que é exemplo a supressão da liberdade de fixação de preços –, seja qual for o fundamento adotado para a medida."[11]

Enfim, não há qualquer norma constitucional que autorize o estabelecimento do controle de preços no âmbito de uma economia de mercado. Muito pelo contrário: o art. 173, §4º, da CF/88 autoriza tão somente que o Estado intervenha para coibir atos que sejam configurados como abuso de poder econômico, associados, como se verá adiante, a práticas anticoncorrenciais, quais sejam, a dominação de mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

2.2 Inexistência de práticas anticoncorrenciais causadas por abuso do poder econômico que justifiquem a intervenção fundada no §4º do art. 173 da CF/88.

Viu-se acima que o §4º do art. 173 da CF/88 admite, em caráter de exceção, a intervenção estatal para restabelecer a livre iniciativa em situações nas quais um agente com grande poder econômico utilize tal prerrogativa de forma abusiva, com a finalidade de dominar o mercado, eliminar a concorrência ou aumentar arbitrariamente os seus lucros.

Note-se que a lei não veda (i) o monopólio ou a "conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores" (cf. art. 36, §1º, da Lei nº 12.529/11), nem tampouco (ii) a cobrança de preços considerados exorbitantes, desde que o agente econômico estipule tais preços em um cenário competitivo, sem a possibilidade de impor tais preços aos consumidores. Tais práticas, frise-se, somente serão tratadas como ilícitos anticoncorrenciais se veiculadas como forma de exercer abusivamente posição dominante.

Naturalmente, não se pode imputar prima facie a nenhum agente econômico a adoção de práticas anticoncorrenciais como as acima referidas em decorrência da forma de estruturação de preços adotada. A percepção de determinada conduta como ensejadora, ou não, da excepcional intromissão estatal na forma do art. 173, §4º, da CF/88 dependerá necessariamente do exame de peculiaridades do caso concreto, de modo a que se possa verificar se há distorção ou falha de mercado que justifique a interferência na atividade privada com fundamento no citado dispositivo constitucional – o que, quando admissível, assim o é para o fim de recompor a livre iniciativa e a livre concorrência.

No caso concreto, o exame das características do mercado de estacionamentos rotativos (mercado relevante[12] no qual se inserem os estacionamentos de shopping centers), não autoriza a ingerência do Estado na atividade particular exercida pelos empreendedores do setor em foco.

A uma, porque não se verifica situação de monopólio (artificial[13] ou natural[14]), mas sim um cenário competitivo, com diversos concorrentes disputando livremente, de acordo com as regras de mercado e se valendo de diversas variáveis comerciais, a captação de clientes.

Como se sabe, o conceito de monopólio deriva da literatura econômica e se traduz no poder de determinado agente econômico de atuar sozinho em um mercado (não havendo sequer substitutos próximos para seus serviços ou produtos) e, assim, exercer o controle de preços e suprimentos (na medida em que, ante a inexistência de competição, deixa de ser mero tomador de preços), não sendo possível (ou sendo muito custosa), por força de obstáculos naturais (inerentes ao processo de produção) ou artificiais (regulação ou outras barreiras criadas pelo governo, como a obtenção de licenças), a entrada de novos concorrentes.[15]

Ora, considerando que, ressalvadas determinadas posturas municipais que disciplinam a ocupação do solo urbano, não há quaisquer óbices que impeçam a instalação de outros estacionamentos privados em áreas vizinhas à de qualquer shopping center (ou mesmo de outros shoppings que pretendam concorrer com os já existentes), é correto afirmar que os preços praticados em estacionamentos de tais estabelecimentos serão determinados pelas leis da livre concorrência, uma vez que eventuais "excessos" nos valores cobrados por um ou outro empreendedor serão punidos com a reprovação de seus clientes e até mesmo com a proliferação de outros estabelecimentos (sejam eles estacionamentos rotativos ou novos shopping centers) que, nas cercanias do seu empreendimento, ofereçam o mesmo serviço a preços mais acessíveis.

Aliás, tanto não há monopólio ou barreiras à entrada de concorrentes no mercado que o número de shopping centers e centros comerciais similares tem crescido exponencialmente, sobretudo nos principais centros urbanos, sendo a livre fixação do preço de seu estacionamento (inclusive com a concessão de gratuidade, desde que a critério e por mera liberalidade do particular) um importante fator de captação de clientela e concorrência.[16]

O fato é que, em vista das características do mercado relevante em tela – especialmente a inexistência de monopólios artificiais ou naturais e de barreiras à entrada de novos concorrentes –, não há que se falar, seja em grandes metrópoles ou cidades de menor porte, em dominação de mercado ou eliminação da concorrência (quando muito, eventual conquista de mercado teria ocorrido por conta da maior eficiência do agente econômico em relação a seus competidores – e não por barreiras naturais ou artificiais –, o que não caracteriza ilícito concorrencial, nos termos do §1º do art. 36 da Lei nº 12.529/11).

Do mesmo modo, nessas circunstâncias, a formatação de preços de estacionamentos de shopping centers também não tem o potencial de dar ensejo a aumento arbitrário dos lucros, nos termos e para os fins do art. 173, §4º, da CF e do art. 36 da Lei nº 12.529/11 (antigo art. 21, XXIV, da Lei nº 8.884/94).

Celso Ribeiro Bastos esclarece o que é aumento arbitrário do lucro:

"De fato, para que o lucro se torne inconstitucional, cumpre que ele resulte de uma situação sobre a qual o detentor do meio de produção possui uma situação de força. É arbitrário, portanto, todo aumento de lucratividade que decorra de uma decisão empresarial, aproveitando-se de uma situação objetiva de mercado distorcido, que não faça corresponder a este aumento uma queda das vendas. Isto ocorre nas situações de monopólio."[17]

Como se viu, no caso em exame, não há monopólio artificial, nem tampouco "situação objetiva de mercado distorcido". Em tais condições, eventual decisão empresarial que importe em fixação de preço exacerbado será regulada pelo mercado, com a pronta reprovação dos clientes do shopping center, que se materializa por meio de uma queda na demanda pelo serviço (seja para a utilização do estacionamento, seja na frequência do shopping center).

Pedro Paulo Salles Cristofaro também reconhece a indissociável vinculação do aumento arbitrário de lucros a práticas anticoncorrenciais:

"De forma compatível com a Constituição, a Lei 12.529/11 não aponta a ilicitude do aumento arbitrário de lucros em si mesmo, mas o inclui no art. 36 da Lei como um efeito possível de uma conduta violadora da ordem concorrencial. Ao escolher o adjetivo 'arbitrário' (que depende exclusivamente do arbítrio de alguém, da vontade de alguém) e não 'abusivo' ou 'excessivo', a lei deixa claro que não se volta contra a percepção de lucros a partir de determinado nível, mas sim contra os atos capazes de conferir a alguém arbítrio sobre sua lucratividade.
Só o monopolista, de forma absoluta, e os agentes detentores de posição dominante, proporcionalmente a seu poder sobre o mercado, têm o arbítrio sobre seu lucro, ou seja, a capacidade de unilateralmente obter o maior lucro possível, considerada a demanda. A lei, no entanto, não pune a existência do monopólio ou da posição dominante. A lei também não pune os lucros auferidos pelo monopolista ou pelo agente dominante do mercado, nem estabelece limites para esses lucros. A lei pune a conquista, a manutenção e a expansão desse poder de mercado através de métodos incompatíveis com a livre concorrência. Os lucros arbitrários são o efeito possível do ato anticoncorrencial."[18]

No mesmo sentido, o CADE, analisando, em sede de Averiguação Preliminar, representação que versava sobre aumento abusivo de preços no mercado de distribuição de combustíveis, assim se posicionou sobre os aludidos dispositivos legais[19]:

"Primeiramente, é importante considerar que os tipos infracionais referentes ao 'aumento arbitrário de lucro' e à 'imposição de preço excessivo ou aumento sem justa causa' somente fazem sentido, a princípio, em duas situações: (i) ou o fornecedor de determinado produto ou serviço goza de posição dominante em determinado mercado relevante; ou (ii) ainda que não detenha posição dominante, o fornecedor adere a práticas colusivas juntamente com outros agentes do mercado, de modo a lhe propiciar, potencial ou efetivamente, a prática do ilícito.

Em outras palavras, se o fornecedor não possuir significativo poder de mercado, eventual aumento de preços a ponto de ser considerado ´abusivo´ será, do ponto de vista econômico, irracional, já que tal fato poderá lhe acarretar perda de participação no mercado.

Além disso, ante a ausência de definição legal e até mesmo doutrinária, a análise do que pode ser considerado 'aumento abusivo e injustificado de preços' é, por si só, extremamente complexa, tendo em vista que aumentos de preço podem ser ocasionados pelos mais diversos fatores, como, por exemplo, movimentos de retração de oferta ou mesmo aumento de demanda, mudanças nas especificações do produto, estrutura de custos diferenciada entre fornecedores, interesse legítimo em aumentar a margem de lucro – ainda que às custas de parcela de mercado, entre outras práticas inerentes às estratégias empresariais."

É importante, portanto, que se faça distinção entre (i) eventuais aumentos de preços para patamares entendidos como "irrazoáveis" que ocorram em mercados competitivos (que não podem ser objeto de interferência do Poder Público no sentido de limitar ou rever tais preços) e (ii) aumentos arbitrários de lucros (entendidos como aqueles que decorrem de decisão arbitrária do agente econômico com grande poder de mercado, que poderá, conforme o caso, configurar exercício abusivo de posição dominante).

Sobre a compreensão do que seriam preços "excessivos" ou "irrazoáveis" (em contraposição ao conceito legal de aumento arbitrário de lucros), Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, após advertir que a regulação de preços é uma (indesejada) herança dos tempos em que a intervenção estatal se dava por meio do controle de preços, pontua que:

"A Lei de Defesa da Concorrência e a Lei de Defesa do Consumidor preveem condutas relacionadas a preços. No entanto, preços excessivos ou abusivos são excrescências do período de controle de preço que até hoje perduram em diplomas atualmente em vigor (art. 21, inc. XXIV, da Lei nº 8.884/94 e art. 39, inc. X, da Lei nº 8.078/90). Particularmente, a permanência de provisões contra preços excessivos ou abusivos provoca problemas para os órgãos de defesa da concorrência, uma vez que, em uma economia de mercado, não há padrão de referência para considerar um determinado preço como abusivo ou excessivo, salvo nas hipóteses em que há lei regulando preços. O entendimento que prevalece é o de que apenas há preço excessivo quando este é decorrente de uma conduta anticompetitiva, como cartel ou venda casada."[20]

Portanto, como se vem de dizer, haja vista o perfil da atividade aqui em debate – o serviço de guarda e conservação de veículos em estacionamentos privados e rotativos –, não há óbices naturais ou artificiais para que, se o preço cobrado por determinado empreendedor venha a extrapolar o preço considerado "razoável" (aqui entendido como aquele que, observados critérios de utilidade marginal, agrada ao consumidor médio), outros prestadores do mesmo serviço se instalem nas cercanias dos shoppings e, assim, passem a oferecer condições mais vantajosas aos consumidores que ali pretendem deixar seus veículos, ou mesmo para que, em casos tais, os usuários adotem alternativas para a não utilização do serviço ou se dirijam a outros shopping centers, como forma de repudiar o aumento dos preços.

Esse entendimento foi encampado em julgado proferido pela 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no âmbito de ação proposta pelo PROCON de Campinas, com vistas a controlar reajuste aplicado por shopping daquela cidade no preço praticado em seu estacionamento, assim judicializando a sua pretensão de obrigar o empreendedor a apresentar planilha justificadora do reajuste (i.e., comprovar uma "justa causa" para tal aumento). Na ocasião, o TJSP considerou inconstitucional a pretensão veiculada pelo PROCON, sob os seguintes fundamentos:

"Na fiscalização [prevista no art. 174 da CF/88], será dever do poder público repelir o abuso por parte do detentor do poder econômico, como dispõe o art. 173, § 4º, da CF: a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. A lei que este artigo se refere se trata da LC nº 12.529/11.

O apelado [o PROCON] executou ato que não lhe é permitido. A decisão do PROCON de congelar o valor do estacionamento da apelante foge da competência do poder público, pois, com esse ato, intervém na ordem econômica ferindo a livre iniciativa, sem razão necessária para tanto, sendo que sequer restou demonstrado pelo apelado a suposta dominação do mercado." [21]

Assim, segundo o que se extrai dos argumentos acima expendidos, em situações como a de que se cuida, não é o Estado que deve ser encarregar de fixar o preço a ser cobrado pelo serviço posto à disposição dos frequentadores dos estacionamentos,[22] mas sim os próprios mecanismos de mercado, tendo em vista que opções empresariais equivocadas serão devidamente repudiadas pelos clientes, com o que será restabelecido o status quo ante (ou o agente econômico terá incentivos para buscar outra solução empresarial, sob pena de malogro do empreendimento).

3. Análise da racionalidade econômica e do ganho de bem-estar causado por normas dessa natureza: a (in)eficiência da regulação proposta.

Abstraídos os argumentos jurídico-constitucionais acima desenvolvidos, poder-se-ia argumentar que a regulação de preços (seja mediante a imposição de gratuidade, seja por meio da ingerência na estrutura de formação de tais preços) na forma proposta pelas leis e iniciativas ora examinadas seria justificável com fundamento na teoria tradicional da regulação, segundo a qual a atividade reguladora encontraria terreno fértil para vicejar em hipóteses nas quais a regulação tivesse o intuito de atender ao interesse público, corrigindo falhas que impediriam o funcionamento do mercado da forma mais eficiente possível.[23]

Sem abordar, por fugir ao escopo do presente artigo, as críticas dirigidas a essa teoria tradicional da regulação por outras correntes[24] – como, por exemplo, a teoria da captura e dos grupos de interesse e a teoria da escolha pública (ou das falhas de governo) –, o fato é que, mesmo sob a ótica da teoria do interesse público como justificativa para a regulação econômica da atividade de estacionamentos privados, a intervenção do Poder Público na fixação de preços e critérios de cobrança seria nociva ao bom funcionamento do mercado, por inexistirem falhas hábeis a demandar regulação (de preço ou de outras variáveis), sendo forçosa a conclusão de que as medidas impostas pelo Estado nas situações ora examinadas conduzirão a resultados bastante distantes dos esperados. E tal constatação, vale dizer, é igualmente aplicável a todas as modalidades de interferência mencionadas no início deste trabalho (gratuidade pura e simples, períodos de carência, gratuidade para grupos sociais, gratuidade condicionada a consumo, cobrança fracionada etc.), ainda que as distorções geradas por cada modalidade sejam diversas.

3.1 A atividade de estacionamentos privados não se reveste de amplo interesse social.

Alerte-se, inicialmente, para o restrito alcance das medidas ora discutidas, as quais, longe de provocar repercussão na sociedade como um todo, destinam-se a tutelar interesses de um grupo relativamente pequeno de pessoas, i.e., aquelas que frequentam os shopping centers e utilizam os estacionamentos disponibilizados por tais centros comerciais.

Não é difícil concluir, pois, que se trata de atividade privada completamente alheia ao dever do Estado de assegurar a ordem econômica e social, nos termos do art. 170 da CF. O estacionamento existe para propiciar conveniência e conforto às pessoas que se dirigem aos shopping centers. Obviamente, a frequência a shopping centers não é compulsória, nem constitui item de primeira necessidade ou muito menos serviço essencial à população. Vai a tais empreendimentos quem quer desfrutar de suas vantagens, mas, essencialmente, todas as mercadorias e serviços encontrados em um shopping center são também encontrados no comércio varejista em geral. Ninguém é compelido a se dirigir ao estabelecimento em seu veículo particular. Os que o fazem não são obrigados a guardar seus automóveis no estacionamento do shopping. A visita ao shopping center e a demanda pelo estacionamento do empreendimento são, portanto, motivados pela conveniência e pelo desejo de maior conforto dos usuários.

Colha-se, abaixo, trecho de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), ilustrativo do argumento acima explicitado:

"Em realidade, a proteção dos interesses dos usuários ou consumidores do centro comercial não se pode confundir com o conceito da função social da propriedade. A meu ver, o seu conteúdo é mais amplo e abrangente. Os destinatários ou usuários do estacionamento, conquanto numerosos, não deixam de ser apenas um grupo social e não a sociedade como um todo ou, como costumam dizer os agentes da atual Administração, ao conjunto da sociedade, protegê-los, se fosse o caso, seria proteger os proprietários de veículos que têm poder aquisitivo suficiente para adquirir bens e serviços em estabelecimento sofisticado da cidade. A toda evidência, cuida-se de um grupo privilegiado que não deve preocupar a Administração Municipal a ponto de buscar identidade completa do seu interesse com o interesse público."[25]

3.2 Custos fixos suportados pelos empreendedores.

Outro fator desconsiderado pelos legisladores e órgãos governamentais ao defender a regulação de preços de estacionamentos privados são os custos fixos suportados por empreendedores e que orientam a formatação de seus preços.

É cediço que o oferecimento do serviço e a manutenção dos estacionamentos impõem diversos custos permanentes, tais como: (i) segurança e monitoramento do local (atividades que demandam a aquisição de equipamentos modernos de gravação e filmagem, por exemplo), (ii) contratação e capacitação de pessoal apto a prestar segurança complementar e atender o público em terminais de pagamento assistido, (iii) investimentos em aparelhagem moderna para entrada e saída de veículos (cancelas eletrônicas, emissão de bilhetes etc.), pagamento das tarifas (terminais de atendimento eletrônico) e outras finalidades (tais como a disponibilização de sinalizadores e painéis eletrônicos que informam se há vagas disponíveis) e (iv) contratação de seguros de responsabilidade civil (valendo lembrar, inclusive, que o enunciado de Súmula nº 130, do STJ, atribui responsabilidade objetiva aos empreendedores por todo infortúnio ocorrido no interior do estacionamento).

Naturalmente, tais custos são considerados quando da estruturação dos preços ofertados aos frequentadores. Como todo usuário representa um custo fixo para os estacionamentos, independentemente do tempo que lá permaneça, é normal que esse custo inafastável seja refletido no preço praticado – o que, por si só, já retira força de um dos argumentos normalmente utilizados pelo Poder Público para defender que o cálculo do valor da fração de hora, sob a vigência de normas de cobrança fracionada, seria realizado pela mera divisão do valor anteriormente cobrado por determinado período pelo número de horas contemplado em tal período.

Se é indiscutível que todo e qualquer usuário será cobrado pelo custo fixo que representa, conclui-se que esse custo poderá (i) ser diluído no preço total cobrado por um período maior de tempo ou (ii) ser embutido diretamente na(s) primeira(s) frações de hora, caso o empreendedor seja obrigado a praticar o critério de cobrança fracionada.

A propósito dos efeitos danosos que a desconsideração dos custos fixos dos estacionamentos pode acarretar, cumpre destacar o voto proferido pelo então Conselheiro do CADE Olavo Chinaglia (acompanhado à unanimidade por seus pares) ao apreciar consulta formulada pela Procuradoria Federal especializada junto ao CADE (ProCADE) sobre possíveis impactos concorrenciais da Lei nº 4.067/07, do Distrito Federal, que, em síntese, impôs (i) a cobrança por frações de hora de no mínimo 1 minuto e (ii) a concessão de gratuidade para idosos e pessoas com necessidades especiais pelo período de 2 horas, até o limite das vagas reservadas para tais grupos.

Na ocasião, após esclarecer a necessidade de se computar os custos fixos na formatação do preço, o Conselheiro Olavo Chinaglia concluiu que, implementada a cobrança fracionada tal como determinado pela referida norma, "o mais provável é que o preço cobrado pelos primeiros minutos de utilização dos serviços de estacionamento acabe sendo bastante elevado porque, em vez de atingir o preço necessário para o pagamento da escala mínima aos trinta ou sessenta minutos de utilização do serviço, como ocorre hoje, o empresário provavelmente será levado a precificar a incerteza da ocupação das vagas ofertadas dentro dos primeiros cinco ou dez minutos de utilização".[26]

O referido Conselheiro arremata, afirmando que:

"Em suma, essa intervenção estatal sobre a liberdade de iniciativa será, na melhor das hipóteses, inócua para os consumidores que adquirem muitos minutos do serviço de estacionamento, e será catastrófica justamente para aqueles que inspiraram a elaboração da norma, que pagarão muito mais pelos poucos minutos que vierem a consumir, na medida em que arcarão com parcela proporcionalmente maior dos custos do produto."

Firme nestas razões, o Conselheiro Relator sugeriu a remessa de cópias da consulta (i) à Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda para investigar com maior profundidade os impactos concorrenciais daí advindos e eventualmente diligenciar junto à Assembleia Legislativa do Distrito Federal a mitigação de tais efeitos, bem como (ii) ao STF para juntada aos autos da ADI nº 4.008, proposta contra a aludida Lei Distrital nº 4.067/07 e em curso perante a Corte Suprema.

Esse é mais um motivo a desaconselhar, portanto, a regulação de preços de estacionamentos privados: a existência de custos fixos para a operação e manutenção dos estacionamentos, que serão natural e invariavelmente repassados aos usuários, de modo que devem ser corretamente refletidos, de acordo com decisões empresariais, no preço praticado, sob pena de ocasionar distorções econômicas como a que foi acima mencionada, sem prejuízo das que serão a seguir expostas.

3.3 Outras distorções criadas pela regulação de preços de estacionamentos privados.

Há, ainda, outros efeitos indesejados que são gerados por iniciativas de regulação de preços de estacionamentos privados, conforme o tipo de intervenção levada a efeito.

Alguns deles têm caráter redistributivo, como ocorre na hipótese de imposição de gratuidade pura e simples, que inevitavelmente provocará a transferência dos custos do estacionamento (que não serão mais ressarcidos mediante o pagamento da respectiva tarifa pela utilização, em razão da gratuidade) para os preços de aluguéis e encargos locatícios cobrados pelos empreendedores dos locatários, que, por sua vez, repassarão tais aumentos nos encargos da locação para os preços de seus produtos. Nessa hipótese, os frequentadores que não se dirigiram ao estabelecimento em seus veículos particulares estarão incorrendo em despesas mais elevadas em razão da gratuidade concedida àqueles frequentadores que utilizaram seus veículos (e estes últimos também pagarão valores mais elevados em consumo no interior do shopping).

O mesmo se aplica à determinação de gratuidade para alguns grupos sociais (idosos, gestantes, pessoas com necessidades especiais). Nesse caso, para compensar a gratuidade para tais segmentos, o empreendedor aumentará os preços cobrados dos demais usuários, que, na prática, pagarão pela gratuidade concedida aos privilegiados. Trata-se de típica hipótese de subsídio cruzado, que poderá resultar em cenário no qual pessoas de menor poder aquisitivo (mas que não se enquadram nos grupos beneficiados pela gratuidade) arcarão com as despesas decorrentes da gratuidade concedidas aos beneficiários.

A imposição de períodos de carência também resultará em estímulo para que o administrador do estacionamento aumente os preços para o restante do período, de modo a compensar o risco de que eventual usuário venha a se envolver em algum incidente no curso do período de carência, passando a representar despesa para o administrador, sem ter proporcionado o retorno proporcional mediante o pagamento da tarifa do estacionamento (aqui se tem mais um exemplo da relevância de inclusão do custo fixo no preço do estacionamento).

Acrescente-se que, como já se disse, a livre fixação dos preços de estacionamentos privados é importante fator de concorrência entre os diversos estabelecimentos que se dedicam à atividade em tela. Não é por acaso que muitos estabelecimentos, ao iniciarem suas atividades, oferecem descontos ou mesmo gratuidades em seus estacionamentos com a finalidade de atrair e cativar a clientela. Shoppings vizinhos, que, não raro, dispõem de mix de lojas razoavelmente semelhante, também podem criar o saudável hábito de buscar se diferenciar e captar clientes através da fixação de preços mais atraentes em seus estacionamentos. Até mesmo a contratação de parcerias com empresas de outros setores (por exemplo, convênios com seguradoras de veículos que dão direito a descontos na utilização de estacionamentos) funciona como mecanismo de diferenciação e captação de clientela.

Eliminar ou reduzir a discricionariedade dos agentes econômicos na fixação de tais preços significa, portanto, enfraquecer mecanismo que contribui para a defesa da concorrência entre os estabelecimentos e, em última análise, beneficia o usuário.

Foi o que também concluiu a SEAE ao emitir Nota Técnica[27] no âmbito do procedimento administrativo inaugurado por recomendação do Conselheiro Olavo Chinaglia (conforme sugestão constante do voto já acima mencionado).

Entendeu-se, naquela oportunidade, que o estabelecimento de critério fixo de cobrança fracionada, como se deu com a edição da Lei Distrital nº 4.067/07, tem o efeito semelhante ao de um cartel de regras,[28] reduzindo a concorrência entre os agentes e aumentando os custos dos empreendedores, que não mais terão plena liberdade na formatação de seus preços de acordo com as práticas gerenciais que lhe aprouverem. A conclusão da SEAE, que ao final recomendou a revogação do diploma legal em foco e que "o governo do Distrito Federal não intervenha na estrutura de formação de preços no mercado de estacionamento rotativo", foi apresentada nos seguintes termos:

"Dessa forma, a partir do exposto, constata-se que a Lei Distrital nº 4.067/2007, ao interferir em uma variável comercial, pode produzir efeitos semelhantes aos produzidos por um cartel de regra. Isso porque, antes da promulgação da norma, a cobrança ou não de uma espécie de valor mínimo pelo prestador do serviço podia ser uma variável de competição. Com a edição da lei, essa opção não é mais permitida, pois todos deverão cobrar a fração. É oportuno destacar que estes efeitos potencialmente danosos contrariam o objetivo da Lei Distrital nº 4.067/2007, que era proteger os consumidores, inclusive aqueles de menor poder aquisitivo."

Bastante pertinente para o caso concreto é o argumento de Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, que defende a aplicação do princípio da proporcionalidade como forma de exercer o controle da atividade reguladora do Estado.[29] De fato, decomposto o princípio da proporcionalidade nos três subprincípios usualmente aceitos pela doutrina (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), tem-se que a regulação de preços de estacionamentos privados (i) não é adequada, pois não é capaz de alcançar os fins pretendidos (reduzir preços oferecidos ao consumidor) pelos meios adotados (redução da liberdade do empreendedor na fixação de preços e critérios de cobrança), (ii) não é necessária, por impor medida excessivamente gravosa ao particular e, por fim, (iii) carece de proporcionalidade em sentido estrito, pois, a pretexto de resguardar o interesse de um grupo restrito de consumidores, sacrifica a livre iniciativa, fundamento da República e princípio norteador da ordem econômica.

De todo o acima exposto, conclui-se que a análise da racionalidade econômica e dos efeitos causados pelas medidas aqui discutidas ao bem-estar de seus destinatários não recomendam a sua adoção, não havendo qualquer justificativa para a regulação de preços em estacionamentos privados, que tende a conduzir a resultados ineficientes e distantes daqueles pretendidos pelo Poder Público.

3.4 Efeitos deletérios de intervenções dessa natureza na atividade empresarial.

A par das distorções econômicas e prejuízos causados para os consumidores, na forma acima demonstrada, não se pode olvidar dos efeitos deletérios que tais intervenções geram para a atividade empresarial no País, dando lugar a um cenário de grande insegurança jurídica, econômica e social para a iniciativa privada como um todo.

Não há dúvida quanto ao fato de que o agente econômico valoriza a segurança jurídica e econômica e o ambiente regulatório que o circunda na decisão de investir e empreender. Intervenções no sentido de controlar preços privados têm o efeito único de desestimular o empresário a manter a sua atividade em operação. Não interessa ao particular exercer a sua atividade econômica quando não se é livre para estabelecer seus preços de acordo com as complexas características de seu negócio, a salvo da interferência do Estado. Mais do que isso: desconhecedor que é da natureza, das peculiaridades e dos custos envolvidos em cada negócio, o Poder Público, além de extrapolar a sua função de planejamento (que é meramente indicativo para o particular, consoante a dicção do art. 174 da CF/88), invariavelmente atua em desfavor do ente privado, muitas vezes comprometendo a sua operação comercial, ao estabelecer limites tarifários desconexos de tais características peculiares.

Esse tipo de ingerência serve como desestímulo não apenas àqueles que já operam seus estacionamentos, mas também a potenciais empreendedores do ramo que, receosos de sofrerem investidas do Poder Público, podem optar por dedicar-se a outro negócio ou mesmo desistir de atuar no segmento, reduzindo, com isso, a competição no mercado e, consequentemente, a oferta de vagas em estacionamentos privados. Desnecessário dizer, no particular, que, quanto menor a concorrência em determinado nicho de mercado, maior a possibilidade de um (ou poucos) agente(s) econômico(s) (i) elevar(em) os preços do serviço ou produto oferecido ao público consumidor e/ou (ii) reduzir(em) a qualidade do serviço ou produto. Em síntese, a restrição à intervenção do Estado no processo de produção econômica se deve ao fato de que tal interferência, invariavelmente, tem como resultado a utilização ineficaz dos fatores de produção, gerando menor produção, preços elevados, ineficiência econômica, escassez, desemprego etc.

Em última análise, portanto, o maior prejudicado com esse tipo de intervenção é o próprio consumidor, que passa a ter reduzidas opções de fornecedores de produtos e serviços, em razão da atuação do Estado no sentido de desincentivar a iniciativa privada. Desse modo, a preservação da livre iniciativa e da livre concorrência tem como finalidade última a defesa dos interesses do próprio consumidor, que, em um ambiente de mercado livre e estímulo à iniciativa privada, receberá serviços e produtos de melhor qualidade, a preços mais razoáveis.

Sobre os efeitos prejudiciais à economia da intervenção estatal via controle de preços, confira-se a precisa lição de Ludwig von Mises, para quem, em tais casos, a consequência natural é que:

"(...) a produção será desviada, deixando-se de produzir bens que são mais urgentemente desejados pelo consumidor, mas que são afetados pela fixação de um preço máximo, passando-se a produzir outros bens que, do ponto de vista do consumidor, são menos importantes, mas que não foram atingidos pela regulamentação. Se a intenção da autoridade, ao estabelecer preços máximos, era fazer com que uma parcela maior da população tivesse acesso a esses bens, evidentemente seu objetivo não será atingido, porque a produção desses bens será restringida ou completamente paralisada. (...)

Uma medida isolada de controle de preço não consegue afetar o funcionamento da economia de mercado da maneira que os seus criadores pretendiam; ela é, do próprio ângulo de avaliação de seus mentores, não apenas inútil mas contraproducente, porque agrava o 'mal' que se pretende aliviar. Antes de ter seu preço controlado, o bem era, na opinião da autoridade, muito caro; agora ele não é mais produzido. Mas, esse não era o efeito pretendido pela autoridade, que queria apenas fazer com que o bem custasse menos para o consumidor. Em vez disso, a própria autoridade terá que considerar que a falta desse bem, sua indisponibilidade é um mal ainda maior; seu objetivo era aumentar, e não diminuir a oferta. Podemos dizer, portanto, que a medida isolada de preço frustra a realização do objetivo pretendido com a sua implementação, e que uma política econômica em medidas desse tipo é contraproducente e inútil."[30]

O que se vê, portanto, é que, sob qualquer ângulo, a conclusão alcançada é a mesma: a regulação de preços de estacionamentos privados não só é incapaz de atingir os fins pretendidos, como acaba por produzir resultados ineficientes e indesejados tanto para os próprios consumidores que seriam supostamente beneficiados com tais medidas, como para os agentes econômicos por ela atingidos (e outros que acabarão por se desinteressar em promover novos investimentos na atividade indevidamente regulada).

4. Conclusão.

Buscamos examinar no presente trabalho a constitucionalidade, sob a ótica material, de leis e iniciativas destinadas a regular os preços praticados em estacionamentos privados (especialmente aqueles localizados em shopping center, intensamente alvejados por normas dessa natureza nas últimas décadas).

Como se viu, tais medidas contrariam a ordem econômica insculpida na CF/88, por afrontarem a livre iniciativa e a livre concorrência em situações que não justificam a intromissão estatal na forma do art. 173, §4º, da CF/88, na medida em que não se verifica a prática de qualquer ilícito anticoncorrencial mediante o exercício abusivo de posição dominante no mercado, seja porque (i) não há monopólio ou domínio de mercado pelos estacionamentos de shopping centers (ou, mesmo quando algum estabelecimento possa ocupar posição dominante, assim o faz mediante a conquista de mercado por critérios de eficiência, o que é expressamente admitido pelo art. 36, §1º, da Lei nº 12.529/11), seja porque (ii) não há que se falar em aumento arbitrário de lucros em tal cenário (justamente por se tratar de ambiente competitivo, em que as forças de mercado operam livremente, pelo que eventual decisão empresarial equivocada será reprimida pelos usuários do estacionamento).

A teoria tradicional da regulação (baseada no atendimento de determinado interesse público) e a advocacia da concorrência contribuem para suplantar a regulação de preços de estacionamentos privados, considerando o restrito alcance da intervenção ora analisada e as distorções proporcionadas por tais medidas (seja qual for a modalidade adotada), que não resistem a um exame com base no princípio da proporcionalidade, não logrando cumprir nenhum dos três subprincípios – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Por fim, para sepultar qualquer pretensão dessa natureza, há que se considerar os efeitos deletérios que resultam da descabida invasão do Estado no domínio econômico para restringir a liberdade empresarial dos agentes particulares. Ao tolher a livre iniciativa e a livre concorrência, a regulação de preços de estacionamentos privados produz um ambiente de insegurança e desincentivo ao empreendedorismo (e consequentemente ao investimento privado), afugentando os agentes econômicos que não se interessarão em exercer a atividade que é objeto da malfadada regulação.

5. Bibliografia.

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von Mises, Ludwig. Intervencionismo, uma Análise Econômica. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

Footnotes

[1] Conquanto muitas das iniciativas legislativas sejam especificamente destinadas a shopping centers, não é incomum que outros estabelecimentos comerciais também sejam alvejados, dentre os quais hipermercados, instituições de ensino e outros centros comerciais. Há, inclusive, normas destinadas a regular preços de estacionamentos privados em geral (e até mesmo públicos em certos casos).

[2] Até a presente data não há registro de lei federal que tenha sido sancionada/promulgada sobre o tema. Já houve, contudo, a tramitação de diversos projetos de leis, os quais, pela similitude da matéria (todos versavam sobre alguma forma da regulação da mesma atividade), foram apensados ao Projeto de Lei nº 2.889/1997, de autoria do Deputado João Cunha, tendo a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados exarado parecer opinando pela inconstitucionalidade dos projetos, por transgressão do direito de propriedade, da livre iniciativa e do direito adquirido. Os projetos foram, então, arquivados pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

[3] Lamentavelmente, o Estado do Rio de Janeiro e seus Municípios se destacam como alguns dos entes mais atuantes na tentativa de regular preços e critérios de cobrança em estacionamentos privados. Nesse sentido, podemos destacar, no âmbito do Estado e dos Municípios do Rio de Janeiro, iniciativas que propunham (ou propõem, no caso de ainda não terem sido definitivamente extirpadas do ordenamento): (i) gratuidade integral (Lei Estadual nº 2.050/1992, entre outras), (ii) gratuidade condicionada a consumo mínimo (Lei Estadual nº 4.541/2005), (iii) imposição de períodos de "carência" (Lei Municipal nº 2.951/99), (iv) fracionamento de cobrança (Lei Estadual nº 5.862/2011) e (v) formação de "banco de horas" com créditos em minutos para utilização futura (Lei Municipal nº 5.504/2012).

[4] Leia-se: conceder gratuidade por um período inicial, somente sendo autorizada a cobrança após o decurso do referido lapso temporal.

[5] Há, ainda, exemplos de projetos de leis estaduais/municipais de iniciativa das respectivas casas legislativas que foram vetados pelos Chefes do Poder Executivo, tais como (i) o Projeto de Lei Estadual nº 35/05, vetado pelo então Governador de São Paulo Geraldo Alckmin, e (ii) o Projeto de Lei Municipal nº 183/05, vetado pelo então Prefeito de São Paulo José Serra.

[6] Os óbices formais se aplicam especificamente a leis estaduais, distritais e municipais, na medida em que, por interferirem diretamente na forma de exploração de propriedade privada (a saber, os estacionamentos particulares atingidos por tais leis), os correspondentes diplomas legais versam sobre Direito Civil, matéria de competência privativa da União Federal, a teor do art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

[7] O que é facilmente explicável por motivos de lógica argumentativa e decisória, na medida em que, reconhecida a inconstitucionalidade formal da norma (o que se impõe diante de leis estaduais, municipais e distritais como as de que aqui se trata), sequer há necessidade de ingressar no exame da constitucionalidade material do ato normativo.

[8] Aqui incluídas quaisquer medidas judiciais ou extrajudiciais habitualmente adotadas com a mesma finalidade por autarquias como o PROCON e até mesmo pelo Ministério Público e Defensorias Públicas, dentre as quais a autuação e instauração de processo administrativo contra estabelecimentos particulares em decorrência dos preços ali praticados, bem como o ajuizamento de ações com o propósito de impugnar reajustes de preços e outras práticas empresariais de empreendedores de shopping centers.

[9] BARROSO, Luis Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Boletim de Doutrina Adcoas. Doutrina nº 8 – Agosto, 2002, ano V. Rio de Janeiro: Editora Esplanada. p. 255.

[10] REALE, Miguel. O Plano Collor II e a intervenção do Estado na ordem econômica. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 54 – out./dez. 2011, p. 312-313.

[11] BARROSO, Luis Roberto. "A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços". Boletim de Doutrina Adcoas. Doutrina nº 8 – Agosto, 2002, ano V. Rio de Janeiro: Editora Esplanada, p. 256.

[12] Tal afirmativa é verdadeira tanto (i) para o mercado relevante sob a ótica do serviço (no caso, o serviço de guarda e conservação de veículos, prestado por uma gama bastante extensa de agentes), como (ii) para o mercado relevante geográfico (tendo em vista a costumeira proximidade de diversos outros estacionamentos que oferecem o mesmo serviço).

[13] Aquele criado por regulamentação governamental ou prática anticoncorrencial.

[14] Aquele criado em razão de características próprias do processo de produção, como ocorre nas "utilities" do setor de infraestrutura.

[15] Na definição de N. Gregory Mankiw, Professor de Economia da Universidade de Harvard: "Uma empresa é um monopólio se é a única vendedora de seu produto e se seu produto não tem substitutos próximos. A causa fundamental dos monopólios está nas barreiras à entrada: um monopólio se mantém como o único vendedor de seu mercado porque as outras empresas não podem entrar no mercado e competir com ele. As barreiras à entrada, por sua vez, têm três origens principais: (1) Recursos de monopólio: Um recurso-chave necessário para produção é exclusivo de uma única empresa. (2) Regulamentação do governo: O governo concede a uma única empresa o direito exclusivo de produzir um determinado bem ou serviço. (3) O processo de produção: Uma única empresa consegue fornecer produtos a custo mais baixo que um grande número de produtores." (Introdução à economia. Tradução da 5ª edição norte-americana. São Paulo: Ed. Cengage Learning, 2013, p. 300).

[16] Isso sem falar na alternativa que os frequentadores têm de se dirigir aos shopping centers através de outros meios de transportes coletivos ou particulares, sem recorrer aos estacionamentos a eles disponibilizados.

[17] BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 7º volume. Ed. Saraiva, 1990, p. 102.

[18] CRISTOFARO, Pedro Paulo Salles. O aumento arbitrário de lucros na lei de defesa da concorrência. Revista do IBRAC, vol. 25, jan.-jun./2014, p. 141, grifamos.

[19] Averiguação Preliminar nº 08012.0040000/98-39, Relator Conselheiro Villas Bôas Cueva.

[20] RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Regulação jurídica, racionalidade econômica e saneamento básico. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, pp. 141-142 (nota 232).

[21] TJSP, 3ª Câmara de Direito Público, Apelação nº 0005205-76.2011.8.26.0114, Rel. Des. Ronaldo Andrade, j. 12.11.2013.

[22] O mesmo se aplica, naturalmente, a normas nas quais, além de determinar a cobrança fracionada pela utilização do estacionamento, pretende-se limitar o valor das horas subsequentes a percentual máximo em relação ao preço da primeira hora.

[23] As falhas mais citadas para o fim de justificar a regulação com base na teoria do interesse público são os monopólios, as externalidades, os bens públicos e a assimetria de informações entre fornecedores e consumidores.

[24] Sobre diferentes correntes da teoria da regulação, confiram-se: POSNER, Richard A. Teorias da regulação econômica e PELTZMAN, S. A Teoria Econômica da Regulação depois de uma década de desregulação. Ambos em: Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. Paulo Mattos (coord.), São Paulo: Editoria 34, 2004.

[25] Agravo de Instrumento n° 70001021807, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Perciano de Castilho Bertoluci, j. 03.08.2000.

[26] Consulta nº 08700.000577/2008-00.

[27] Nota Técnica nº 060/COGUN/SEAE/MF, de 09 de dezembro de 2011.

[28] No cartel de regras, não há acordo de preços, mas os concorrentes acordam sobre outras variáveis (como seria, por exemplo, se todos concordassem em exercer a cobrança fracionada, ainda que não ajustassem valor padrão), diminuindo o rol de meios e estratégias possíveis para a livre competição. Como constou da Nota Técnica da SEAE: "o principal problema anticompetitivo criado pelo cartel de regras é evitar que os supostos concorrentes de um determinado mercado usem meios e estratégias comerciais que possam resultar na queda de preços. Ou seja, ao criar regras em torno de variáveis comerciais, como faz a Lei Distrital nº 4.067/2007, há um limite para que as empresas atuantes em um mercado usem todas as ferramentas possíveis para competir com seus rivais."

[29] Acolhendo a predominância da teoria do interesse público (enfatizamos a nossa intenção de não trazer a discussão quanto à mais adequada teoria da regulação para o escopo deste artigo), o citado autor afirma que "o limite material ainda a ser desenvolvido envolve um exame entre a medida e o objeto regulatório, daí surgindo a aplicação do princípio da proporcionalidade" (Ob. cit., p. 136).

[30] von Mises, Ludwig. Intervencionismo, uma Análise Econômica. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p. 47-48, grifamos.

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