Desde o seu início em 2014, a Operação Lava Jato tem transformado o cenário de anticorrupção no Brasil e tem impactado o enforcement em múltiplas jurisdições ao redor do mundo. Para analisar a evolução de enforcement anticorrupção no Brasil, as repercussões e desafios que eles encontraram ao longo dos últimos seis anos, bem como o que eles esperam para o futuro, nós convidamos autoridades anticorrupção brasileiras para compartilhar conosco suas reflexões nesse podcast inaugural da série On the Ropes: Enforcement Risk Roundtable. Junte-se a María González Calvet, Mark de Barros, e Thaísa Toledo Longo enquanto eles conversam com os distintos convidados do Ministério Público Federal ("MPF") e da Controladoria-Geral da União ("CGU") para explorar o que a Lava Jato tem para nos ensinar sobre o combate à corrupção no Brasil.

Since its inception in 2014, the Lava Jato investigation (Operation Car Wash) has transformed the anti-corruption landscape in Brazil and has also impacted enforcement in multiple jurisdictions around the globe. To examine the evolution of anti-corruption enforcement in Brazil, the repercussions and challenges they've encountered over the last six years, and what they see on the horizon, we've asked the Brazilian anti-corruption authorities to share their reflections in this inaugural podcast of the series On the Ropes: Enforcement Risk Roundtable. Join María González Calvet, Mark de Barros, and Thaísa Toledo Longo as they speak with these distinguished guests from Brazil's Federal Prosecution Service (Ministério Público Federal or MPF) and Office of the Comptroller General (Controladoria-Geral da União or CGU) to explore what Lava Jato has to teach us about Brazil's fight against corruption.

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Transcript (English translation)

Transcrição:

María González Calvet: Olá, eu me chamo María González Calvet, sou co-head da área de Anticorrupção e Risco Internacional e também uma das sócias responsáveis pela iniciativa na América Latina do Ropes & Gray. Sejam bem-vindos ao podcast inaugural da série "On the Ropes: Enforcement Risk Roundtable" do escritório Ropes & Gray. Esse podcast faz parte da iniciativa chamada "Enforcement Express: Um Tour Guiado sobre Riscos Internacionais," que consiste em uma plataforma global do escritório contendo materiais sobre combate à corrupção e riscos internacionais em diversos países. Nosso conteúdo inclui podcasts, webinários, mesas de debates, artigos e alertas preparados pela nossa equipe altamente qualificada, podendo ainda contar com a participação de convidados especiais. Para mais informações sobre essa iniciativa e acesso gratuito ao nosso conteúdo, consulte o nosso site www.ropesgray.com/EnforcementExpress e fique atento às novidades!

Junto comigo neste podcast estão meus colegas Mark de Barros e Thaísa Toledo Longo. Mark é advogado associado da área de contencioso do Ropes & Gray e Thaísa é associada internacional da área de contencioso do escritório. No episódio de hoje temos o prazer de conversar novamente com Marcelo Ribeiro de Oliveira, procurador do Ministério Público Federal ("MPF") e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato, e Ricardo Wagner de Araújo, auditor responsável pela negociação de acordos de leniência na Controladoria-Geral da União ("CGU"). Para maiores informações sobre nossos convidados e para ouvir nosso outro podcast com Marcelo e Ricardo sobre os riscos de corrupção no Brasil em decorrência da pandemia do COVID-19, confira nosso site www.ropesgray.com.

Hoje nós iremos abordar temas relacionados a evolução do enforcement no Brasil, começando por uma das maiores investigações do mundo – a Operação Lava Jato – e suas repercussões globais. Vamos também conversar sobre o aprimoramento dos métodos investigativos e as boas práticas para as empresas; o compartilhamento de provas com diferentes autoridades nacionais, e o uso de provas em casos transnacionais. Por fim, trataremos dos esforços de cooperação internacional para o combate à corrupção.

Como nossos ouvintes sabem, a Operação Lava Jato, iniciada em 2014 no Brasil, é uma das maiores investigações criminais de combate à corrupção e lavagem de dinheiro no mundo que, inicialmente, envolveu esquemas complexos de corrupção e lavagem de ativos na Petrobras, com a participação de grandes empresas nacionais e multinacionais. Marcelo e Ricardo, quando vocês começaram a trabalhar na Operação Lava Jato vocês tinham a dimensão do quão significativa essa operação se tornaria e das diversas repercussões globais?

Marcelo Ribeiro de Oliveira: Maria, quando eu entrei na Operação Lava Jato, já era em 2017, e ela já era uma grande realidade e o maior caso de combate de corrupção no Brasil. Eu até trabalhava em dois outros casos que pareciam até maiores do que ela no primeiro momento. A Lava Jato surgiu como apenas um caso de uma corrupção pontual a partir de uma venda irregular de um veículo. E depois surgiu esse verdadeiro monstro que nós conhecemos. Eu acredito que ninguém poderia imaginar o tamanho dela, e que ela seria enorme e pode ser muito maior e tudo dentro de um esquema de uma estatal específica, a Petrobras. Eu não duvido que nós tenhamos outras Lava Jatos no futuro.

Ricardo Wagner de Araújo: Pelo lado nosso em relação à CGU, em 2014 no surgimento da Lava Jato eu era o corregedor responsável pela área de minas de energia. A Petrobras sempre teve um reconhecimento muito grande não só do mercado como nosso também, porque é uma empresa que sempre teve inovação em exploração de petróleo em águas profundas, recebendo premiações internacionais, a grande maioria de seus diretores eram engenheiros, empregados de carreira da empresa. Então a gente não tinha a noção do quão grande estava vindo o caso da Lava Jato. Como Marcelo falou, começou com uma situação menor e de repente em um ano a gente já tinha seis, sete, oito fases da operação envolvendo os principais fornecedores e as principais empresas de infraestrutura do Brasil e grandes empresas multinacionais também.

Thaísa Toledo Longo: A operação Lava Jato é, de fato, sem precedentes. Para termos uma ideia do seu tamanho, atualmente, ela coleciona um total de 70 (setenta) fases, 32 (trinta e dois) acordos de leniência com pessoas jurídicas já homologados pela 5ª Câmara do Ministério Público, centenas de acordos de colaboração com indivíduos e mais de 1.000 (mil) pedidos feitos ou recebidos para cooperação jurídica internacional com mais de 60 (sessenta) países ao redor do mundo – e isso só no âmbito dos dados públicos do MPF.1 A CGU também já celebrou 11 (onze) acordos de leniência. Do ponto de vista de métodos de investigação, quais são os fatores levados em consideração para determinar quando e como utilizar provas e depoimentos obtidos nas colaborações realizadas tanto com indivíduos como pessoas jurídicas? Neste contexto, seria muito interessante para os nossos ouvintes se vocês puderem abordar também quais seriam os tipos de limitação que existem hoje para o uso de tais provas, tanto do ponto de vista prático como jurídico, e como que vocês tem superado esses desafios.

Marcelo Ribeiro de Oliveira: Thaísa, do âmbito do Ministério Público nós celebramos os dois instrumentos, tanto a colaboração premiada quanto o acordo de leniência – um com pessoas físicas e outro com as pessoas jurídicas. Em relação ao uso da prova, aqui a gente tem que pensar o seguinte, a gente pode usar absolutamente tudo o que nos é apresentado – presumindo que a gente não vá receber nada ilícito. Então, a gente acredita que pode utilizar tudo aquilo que foi apresentado pelo colaborador ou pelo leniente. A grande questão que a gente vai ter é que apenas a declaração dele não nos permite fazer nada. Eu não posso fazer uma busca, não posso promover uma denúncia, apenas com base na declaração do colaborador. Ou ele nos trará mais documentos – e isso é bem diferente de apenas uma declaração – ou ele nos permitirá explorar, ou fazer uma quebra de sigilo, alguma coisa que nos permita fazer denúncias ou outros tipos de diligência, como uma busca ou mesmo uma prisão preventiva no caso de algum envolvido. Em termos de limitação, a gente pode pensar no cenário sobretudo de cooperação internacional. A transmissão dessa prova para outros países, em regra, tem de observar a necessidade de dar alguma segurança ao colaborador. Não faz sentido você utilizar uma prova que ele produziu para você e isso ser utilizado em outro país contra ele. Então, a gente tem que dar essa segurança ao colaborador, ou ter a mesma garantia do país que recebe essa prova, ou pelo menos a possibilidade de discutir a concessão de benefícios similares aos que nós oferecemos nesse outro país. Eu creio que essencialmente essa seria a principal restrição. A gente tem que dar essa segurança para o colaborador para que ele não tenha sua posição jurídica prejudicada em outro foro.

Ricardo Wagner de Araújo: Em relação a CGU, nós não fazemos acordos de colaboração com indivíduos (pessoas físicas), mas somente acordos de leniência com pessoas jurídicas, como empresas e fornecedores. Uma questão importante para se colocar aqui, e acho que até para quem vai nos ouvir, é que a CGU nunca propõe um acordo de leniência. O nosso trabalho ordinário, o nosso trabalho normal, é instaurar os processos administrativos de responsabilização ("PAR"). Então, a proposta de acordo de leniência deve partir das empresas. Uma empresa que eventualmente fez uma investigação interna, descobriu um ilícito, e ela toma a decisão de reportar às autoridades, ela vem e propõe a celebração de um acordo de leniência. Ou uma segunda situação, a empresa está respondendo a um processo administrativo de responsabilização e aí ela decide propor às autoridades que ela deseja celebrar um acordo de leniência. Esse é um ponto fundamental. Em relação aos principais desafios e limitações, é que em vários desses casos quem age pelas empresas são as pessoas, os indivíduos, os seus representantes. Em alguns casos, essas pessoas não fazem mais parte da empresa. E, por outro lado, mesmo que eles façam parte, como nosso acordo é um acordo com a empresa, existe uma mitigação, eu diria, da intenção de um indivíduo de querer colaborar porque ele precisa de uma blindagem no âmbito criminal, e isso quem pode dar é o Ministério Público Federal. Então, por isso é muito importante não só a nossa cooperação com as autoridades internacionais, mas a nossa cooperação também no âmbito doméstico, no âmbito nacional com o Ministério Público, com a Advocacia-Geral da União ("AGU"), para trazer algum tipo de segurança para uma pessoa física no âmbito criminal, e criar incentivos para que ela possa colaborar com a empresa quando ela estiver celebrando um acordo de leniência com a CGU.

Marcelo Ribeiro de Oliveira: Eu gostaria só de fazer um acréscimo em relação ao que o Ricardo mencionou. É que a visão dele deixa bem claro a interação entre as agências no Brasil e que as partes devem, quando interessadas, procurar ambas as agências, tanto a CGU como o MPF. Não existe mais a possibilidade de "fórum shopping". A gente percebe que para que haja uma resolução completa, ambas as agências têm que entrar em ação.

Ricardo Wagner de Araújo: É uma questão que a gente sempre, já na primeira reunião que nós temos com as empresas no âmbito de negociação de acordos de leniência, é perguntar se já procuraram o Ministério Público Federal, e incentivar, se não tiver procurado, a procurar. Porque é preciso que se resolva as questões no âmbito de todas as agências.

Mark de Barros: Ricardo e Marcelo, esses pontos que vocês levantaram sobre uma empresa investigada buscar uma resolução em todas as agências é imprescindível não só no Brasil como em outros países. Por exemplo, aqui nos Estados Unidos, dependendo do escopo da investigação, uma empresa deve tratar tanto com o Departamento de Justiça, como com a Securities and Exchange Commission (a CVM americana), dentre outras agências. Na França também, por exemplo, as empresas devem lidar com o Parquet National Financer (o promotor fiscal do país) e também com a Agência Francesa anticorrupção (Agence Française Anticorruption). Diante das múltiplas agências com competências investigativas, seria interessante entender de vocês como esse processo administrativo de responsabilização – o PAR da CGU – e as investigações criminais coexistem. Quais seriam as melhores práticas que as empresas podem adotar quando estão cooperando com a CGU e com o MPF?

Marcelo Ribeiro de Oliveira: Há espaço para ambas as atuações. Elas têm escopos distintos, mas buscam a apuração dos fatos. Uma tem a pegada criminal em relação ao indivíduo. O PAR essencialmente, claro, em relação aos representantes da empresa, mas também à pessoa jurídica, e aí tem a questão da imputação de conhecimento. Como boas práticas nossas, a gente pode colocar a troca constante de informações, sempre e quando necessário antecedidas de autorização judicial – isso aí a gente faz e é mais um sinal de que não estamos em ilhas; estamos atuando de forma conjunta. E, do ponto de vista da empresa, uma boa prática é: seja transparente, reporte tudo aquilo que for ao seu alcance, realize uma investigação interna robusta e não tente esconder o fato. Se nós chegamos a fato, e isso infelizmente aconteceu não poucas vezes, se nós chegamos a detecção de ilícitos que não foram reportados em investigação interna, a situação fica muito ruim. Se ocorre um acordo posteriormente, evidentemente que o custo para a empresa fica muito majorado. E isso a gente não pode deixar de colocar como o que não se fazer. O que fazer é: atue de forma transparente, realize um bom compliance e, sobretudo, em caso de irregularidades, uma investigação interna de qualidade.

Ricardo Wagner de Araújo: No âmbito da CGU, os nossos processos administrativos de responsabilização tradicionalmente eram iniciados com base em relatórios nossos de auditoria, inquéritos decorrentes de operações policiais da Polícia Federal, operações conjuntas com a Polícia Federal, com o Ministério Público Federal e, às vezes, até de notícias jornalísticas. Recentemente, com o advento da lei anticorrupção, grande parte dos PAR que têm sido instaurado decorrem de colaborações de outras empresas no âmbito de acordos de leniência. Então, de repente uma empresa "X" resolve fazer um acordo de leniência e aí o que ela traz – que a gente chama de "alavancagem investigativa" – são provas de que a empresa "Y" e a empresa "Z" participaram, por exemplo, de um conluio para fraudar uma licitação. Então a gente tem se utilizado muito de provas decorrentes dos acordos de leniência que, em comparação com outras fontes, são provas de que a própria pessoa jurídica que participou do ato ilícito entrega, por exemplo, e-mails, ela traz depoimentos, ela traz atas de reunião, ela traz contratos e aí de repente faz uma clarificação em relação a uma cláusula que permitiu que a empresa "X" fosse beneficiada em detrimento da "Y" e de "Z", mas de uma forma concertada. Então existe esta fonte muito grande dos acordos, a gente tem bastante troca de informações também com o Ministério Público Federal, e algumas situações como os acordos do Ministério Público podem vir também de uma colaboração premiada, isso pode vir a gerar uma operação futura, um desdobramento, a gente pode ter certa limitação, ou a necessidade de aguardar, a necessidade de ter uma autorização judicial, mas essa troca de informações (pelo menos informais) – quando não é possível formal por autorização judicial – ela é bastante recorrente. Outro ponto a ser adicionado, apesar de a gente não fazer colaboração premiada, os colaboradores quando fazem uma colaboração com o Ministério Público Federal, eles têm por obrigação legal cooperar com outras autoridades também. Então, tem sido bem normal, por exemplo no âmbito da Lava Jato, um colaborador pessoa física ter sido intimado pela CGU para prestar depoimento para trazer informações sobre determinada empresa, quando investigando uma possível fraude numa licitação. Então, apesar de a colaboração não ser o instrumento utilizado diretamente ou explicitamente pela CGU, ela indiretamente, a pessoa física deve colaborar também conosco. Então a interação é bastante grande.

Mark de Barros: É notável a sinergia que temos visto entre as autoridades brasileiras no combate à corrupção. Além da cooperação entre o MPF e a CGU, como tem sido a interação de vocês com outros órgãos e entidades de controle no compartilhamento de informações. Por exemplo, com o Tribunal de Contas da União, a Advocacia-Geral da União, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras ("COAF"), e a Receita Federal. Como tem sido, em geral, essa cooperação com outros órgãos?

Marcelo Ribeiro de Oliveira: Mark, eu acredito que, pelo menos do que posso relatar da minha experiência no MPF, é que não é uma resposta única. Há instituições que nós temos um contato muito maior e que há um histórico maior de atuação. Todas, de modo geral, a atuação vem se aproximando, a atuação no combate de corrupção é um desafio multidisciplinar nas variadas agências. Uma das nossas parceiras mais tradicionais é a Receita Federal, e ela cada vez mais vem atuando nos nossos casos. A Lava Jato grande parte deve seu sucesso ao bom trabalho da Receita Federal. De forma a ilustrar a importância dessa interação, talvez valesse a pena rememorar no fim do ano passado o julgamento da questão do compartilhamento dos dados tanto por parte do COAF quanto por parte da Receita Federal, em que o Supremo reconheceu essa possibilidade de compartilhamento. O fato é que as agências informacionais, como é o caso do COAF, elas vem cada vez mais aprimorando a sua atuação e a interação conosco, e as demais que também possuem atividade investigativa vem caminhando de mãos dadas e a gente consegue identificar quais são as principais demandas deles e também supri-los para a melhor instrução dos procedimentos administrativos.

Ricardo Wagner de Araújo: No âmbito da CGU, em relação a essas outras agências, eu diria que a gente tem hoje a AGU como uma, vamos dizer assim, uma "irmã" – a gente tem uma portaria conjunta CGU/AGU assinada pelos dois ministros – então todos os acordos de leniência, as comissões são mistas com membros de coordenação da CGU, mas também com membros da AGU. E a assinatura dos acordos também é uma assinatura conjunta, o que eu acho que é muito benéfico para as empresas porque além de resolver a questão da possível ação civil da lei anticorrupção, também envolve as questões envolvendo a lei de improbidade administrativa. No pós-acordo, a interação continua muito grande com a AGU, porque as provas que advêm dos acordos de leniência, elas vão ser via a CGU no âmbito dos PAR a serem instaurados e, no âmbito da AGU, das ações de improbidade em relação a pessoas físicas e pessoas jurídicas. Então, o cruzamento dessas informações, o levantamento, a apuração em relação a não só a validade, mas ao grau de excelência e confiabilidade das informações de que a gente tem trabalhado muito conjuntamente. Em relação ao TCU, eu diria hoje que a gente tem uma relação melhor que anos anteriores, tem uma relação boa. É o órgão de controle externo, é o órgão constitucional, então é uma relação bastante cordial e amigável. O COAF, recebemos informações praticamente semanalmente em relação a possíveis ilícitos envolvendo principalmente lavagem de dinheiro. E a Receita Federal a gente tem um intercâmbio muito grande de informações, de solicitação em relação principalmente a pessoas jurídicas e também no âmbito de questão tributária, algum envolvimento que a gente possa ter de alguma repercussão tributária, a gente também no âmbito da CGU envia informações para apuração por parte da Receita Federal. Então, eu diria como o Marcelo aqui, que a gente não só entre a MPF e a CGU, mas em relação aos outros órgãos e agências a interação tem sido nesse microssistema anticorrupção melhorada ano após ano.

Thaísa Toledo Longo: Esses pontos que vocês mencionaram ilustram bem a coordenação entre as diversas autoridades brasileiras com jurisdição para investigar os mesmos fatos sobre óticas e normas distintas, e até mesmo complementares. Eu acho que esse é, sem dúvida, um dos grandes desafios em termos de cooperação que uma empresa pode enfrentar. Sobre o compartilhamento de informações entre as autoridades que vocês mencionaram, e agora trazendo um pouco do uso da inteligência financeira, que tem mostrado crucial para o sucesso de investigações, quais são os principais desafios relacionados a identificação, busca e apreensão e confisco de produtos do crime nos casos de corrupção no Brasil? E também quão bem-sucedidos tem sido esses esforços de recuperação de ativos, especialmente daqueles derivados da Operação Lava Jato?

Marcelo Ribeiro de Oliveira: Thaísa, no que toca ao uso de inteligência financeira, é muito importante a gente diferenciar conhecimento de prova. A unidade de inteligência financeira no Brasil só nos dá caminhos para nós produzirmos as provas, elas só nos dá dicas. A gente não pode basear uma busca, uma denúncia somente com base no informe de inteligência financeira. A partir dele a gente tem que produzir algum outro conhecimento, que seria uma quebra completa de sigilo bancário ou um levantamento fiscal. Então ela é uma ferramenta fundamental para que a gente comece uma investigação grande, vamos dizer assim. Ela não é usada em todos os casos, mas em alguns deles, realmente, o relatório de inteligência financeira foi fundamental. E aqui no caso da Lava Jato é muito interessante porque tem outra natureza, aí é prova mesmo, são os relatórios da inteligência financeira das instituições fora do Brasil. Diversas de nossas investigações começaram por base em relatos de inteligência financeira vindos do exterior. E essa recepção disso, para nós, além de ser muito bom porque permite a expansão da investigação, ela reflete também a confiabilidade que os agentes de law enforcement brasileiro vem recebendo fora do país.

María González Calvet: A questão de confiabilidade que você mencionou, Marcelo, é essencial para o desenvolvimento concertado de uma investigação. Como vocês bem sabem, o sucesso de uma investigação anticorrupção que ultrapassa os limites da fronteira frequentemente depende de cooperação internacional eficiente e coordenação com diversas jurisdições em países diferentes. Vocês poderiam comentar quais foram os principais desafios com os quais vocês lidaram no início da operação Lava Jato nas suas experiências de cooperação com autoridades estrangeiras em investigações anticorrupção? Como vocês superaram esses obstáculos e quais são as melhores práticas que vocês identificaram?

Marcelo Ribeiro de Oliveira: María, na minha leitura, um ponto que foi necessário superar era a questão da nossa falta de expertise. Nós não tínhamos tanto contato com as autoridades estrangeiras – é claro que o Brasil já fazia a cooperação jurídica internacional, mas não com essa velocidade, com esse volume que foi feito após a Lava Jato. Apesar de a gente sempre buscar que as relações ocorram entre as instituições, o fato de você saber quem é o outro lado da linha, o destinatário do endereço do e-mail, eu acredito que isso facilitou muito. A confiabilidade de saber quem é o outro lado, e conhecer o histórico de atuação e tudo isso foi muito importante. A criação não de uma amizade (amizades surgiram, mas não era o fundamental), mas saber a confiabilidade do outro lado, isso talvez seja o nosso principal ativo e o nosso principal ganho. Promover essa troca de informações decorrentes dessa confiança adquirida foi fundamental. E aí aparecem duas coisas que para mim são as grandes boas práticas, são as melhores práticas. A priorização das difusões espontâneas, ou seja, se nós estamos desenvolvendo uma investigação e surge algo de interesse de uma contraparte, seja nos Estados Unidos, seja na Inglaterra, seja em algum outro país, nós não esperamos uma provocação, nós fazemos um comunicado a eles. Eu acredito que isso é, para quem recebe, é um enorme presente, então você chegar com a investigação já bem encaminhada e com grande chance de êxito, isso talvez seja a melhor prática. Nós recebemos algumas difusões e isso também é muito bem recebido. Esse é um ponto. O outro foi, é algo que o Mark também pode testemunhar, é quando formamos a rede de law enforcement no âmbito da América Latina e do Caribe (LAC LEN) no âmbito da OCDE é a formação de redes internacionais de cooperação entre os agentes de law enforcement. A LAC LEN, no caso do OCDE, é um foro informal em que nós podemos trocar experiências, trocar as dificuldades e essa superação comum das dificuldades e, eventualmente, há muito problema em comum a ser superado, nos fortaleceu como indivíduos, como agentes da lei no Brasil, e sobretudo permitiu uma melhor interação com as contrapartes nos demais países.

Ricardo Wagner de Araújo: No âmbito da CGU, eu acho que uma grande barreira inicial é que a nossa apuração se dá no âmbito administrativo. Então em relação a cooperação internacional, apesar de a Convenção de Suborno Transnacional da OCDE (Convenção Anticorrupção da OCDE) e a Convenção da ONU contra Corrupção (UNCAC) preverem a cooperação no âmbito não criminal, ainda temos dificuldades na obtenção de dados, de informações, de provas, mesmo efetuando todo procedimento via DRCI, Ministério da Justiça, para obtenção dessas provas. O ponto fundamental eu acho que é a confiança das autoridades internacionais de saberem o que é a CGU e o reconhecimento do trabalho, e da competência que a CGU tem em relação a aplicação da lei anticorrupção. Eu diria que como exemplo a gente tem desde o início da Lava Jato houve casos de acordos de empresas que fizeram acordos com diferentes jurisdições, e que a gente não conseguia fazer no mesmo timing, principalmente por duas razões: uma, essa dificuldade da cooperação, e outra de as empresas inclusive não entenderem ainda o papel fundamental que a CGU teria para resolução dos casos. Eu acho que o ápice de confiança e de melhoria neste procedimento e nesse processo de cooperação foi o acordo firmado com a Technip, em que houve o anúncio no mesmo dia pelo MPF, pela CGU e AGU no âmbito do Brasil e pela SEC e pelo DOJ no âmbito dos Estados Unidos. Então eu acho que esse é um reconhecimento fundamental em nível nacional e em nível internacional, das autoridades competentes para celebração dos acordos. E, no âmbito dessa operação e desse acordo, a troca de informação, a troca de dados, de documentos, em que houve entre as autoridades praticamente celebrando e assinando documentos diversos, mas as provas de documentos, inclusive os valores, foram unificados para atingir um acordo global.

Mark de Barros: Pois é, esse aspecto de cooperação internacional é bastante interessante e também tem sido um ponto de atenção nos últimos 5 anos em relação ao FCPA, aos grandes acordos fechados no DOJ nos Estados Unidos, no MPF no Brasil, na Suíça e em outros países. Como parte da convenção anticorrupção da OCDE, o Brasil tem sido um membro bem ativo do grupo de trabalho de suborno (Working Group on Bribery) ("WGB"). Para encerrar nossa conversa hoje, vocês poderiam nos contar um pouco sobre como é o envolvimento do Brasil no grupo de trabalho sobre suborno, e como a sua participação impactou a luta contra a corrupção no Brasil e na região da América Latina?

Marcelo Ribeiro de Oliveira: Mark, é sempre muito bom falar da WGB e sobretudo contigo porque foi onde eu o conheci. Em relação ao impacto que a atuação do Brasil tanto na OCDE quanto na OEA e no MESICIC é bem perceptível em alguns aspectos. Primeiro, nós temos a questão do networking. Nós conhecemos a nossa contraparte, aspecto que eu já havia mencionado como muito importante, no caso da OCDE nós formamos a LAC LEN, a rede de extrema importância. O WGB é muito importante pelo monitoramento que ele exerce entre os países membros e as avaliações do mecanismo de peer review, e nós tivemos a oportunidade inclusive contigo, e nós fizemos a última fase da avaliação, e isso é público então posso falar, a última fase da avaliação do México, a fase 4 de avaliação, foi uma experiência muito bem-sucedida. E o que isso traz de retorno para o Brasil? A gente percebe quais são as melhoras práticas, que a gente vê o que deu certo e o que se pode ser melhorado. O Brasil vai enfrentar o monitoramento nos próximos anos, salvo engano a fase 4 do Brasil será nos próximos anos. Então, o reconhecimento das boas práticas das nossas contrapartes, ou seja, dos agentes de cumprimento da lei, o reconhecimento das melhores práticas no âmbito legislativo dos países também membros e as práticas malsucedidas para que se evitem experiências não exitosas, isso talvez seja um dos grandes legados. Um outro legado, e isso é mencionado bem en passant porque também exige divulgação, é o fato de o Working Group possuir uma matriz de casos em que os países discutem internamente. Então, para os países essa matriz é acessível e nós podemos fazer o exercício que podemos chamar de "flip side". Nós percebemos o que existe nos outros países e o que pode impactar a realidade brasileira. E daí deslanchar novas investigações. Nós já temos alguns casos de êxito em que o início deles se deu a partir do conhecimento desse material promovido pela OCDE. Então eu acredito que esses são os grandes ganhos que o combate de corrupção tem obtido a partir da atuação junto a OCDE.

Ricardo Wagner de Araújo: Mark, obrigado pela pergunta. Eu acho que foi fundamental a nossa adesão como signatário da Convenção Anticorrupção da OCDE. Desde então, o Brasil tem cada vez mais participado ativamente nos trabalhos, em especial do WGB que é o grupo dentro da OCDE que trata da questão do monitoramento, como o Marcelo falou, dos peer reviews do qual a gente participou em relação ao México. Uma questão importante que eu gostaria de destacar é que a participação tanto da CGU, do MPF, quanto da AGU, tem não só sido muito importante para o país como um ator dentro da OCDE, como isso também se reflete em algumas situações em que talvez algum movimento que se identifique de enfraquecimento de combate à corrupção do país. Então a gente teve, por exemplo, situações que a CGU iria perder um pouco as suas competências, a CGU não seria mais a CGU, mas poderia ter virado um departamento dentro de um ministério, e eu acho que a manifestação da OCDE foi bastante importante. Um trabalho específico do ano passado, que é um estudo que foi elaborado pelo WGB de "non-trial resolution", basicamente tratamos de formas de resolução de casos de corrupção em relação a pessoas jurídicas, o Brasil participou ativamente e apesar de nós termos esse sistema híbrido envolvendo várias agências, envolvendo o âmbito civil e administrativo, o Brasil sempre é convidado a participar desses estudos e destes procedimentos para aumentar a eficiência no combate à corrupção. Então eu acho que é muito importante a OCDE para o Brasil; e o Brasil, as autoridades do Brasil, participando dos grupos de trabalho dentro da OCDE, em especial nessas questões anticorrupção.

María González Calvet: Como vocês mencionaram, corrupção não é apenas um problema local. As ramificações de uma operação, como a Lava Jato, demonstram que uma empresa multinacional deve sempre analisar sua operação global e os riscos internacionais dela decorrentes tanto de forma preventiva quanto durante investigações regulatórias e governamentais. Em nome do nosso time do Ropes & Gray, muito obrigada, Marcelo e Ricardo, por participar conosco hoje nesse podcast e por compartilhar suas perspectivas sobre a evolução do cenário de enforcement no Brasil e os principais desafios e tendências na luta contra a corrupção. Nosso tempo para esse podcast chegou ao final. Muito obrigada aos nossos ouvintes também. Sigam ligados nos nossos outros podcasts sobre assuntos relacionados ao combate à corrupção e riscos internacionais no "Enforcement Express: Um Tour Guiado sobre Riscos Internacionais." Você pode encontrar maiores informações sobre essa iniciativa em nosso site: www.ropesgray.com/EnforcementExpress. E, é claro, se pudermos ajudá-lo em qualquer um desses assuntos, favor de nos contatar. Mais uma vez, obrigada.

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